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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A dinâmica econômica nos Brics


Durante a década de 2000, o acrônimo "Brics" se consagrou por designar um grupo de países que tinham condição de apresentar rápida expansão econômica devido ao potencial de crescimento de seus mercados. Brasil, Rússia, Índia e China se tornaram importantes receptores de investimentos e se caracterizaram, naquela década, como as futuras potências mundiais. Com exceção da China, a estratégia de crescimento desses países se pautou no aproveitamento de suas vantagens comparativas em setores primários (e serviços, no caso da Índia), e do impulso da demanda asiática por esses produtos, para se colocarem como importantes players no comércio mundial. No caso brasileiro, por exemplo, foi inegável a importância das commodities no dinamismo econômico, uma vez que elas geraram renda no setor exportador e em todas as cadeias relacionadas.
Esse quadro fez ressurgir uma antiga discussão entre economistas: a complexa relação entre estrutura produtiva e crescimento econômico no longo prazo. Os debates sobre esse tema voltaram a ser bastante polvorosos. De um lado, argumenta-se que não há problemas em crescer por meio da expansão das exportações dos setores primários, pois, além de gerarem renda, essas exportações teriam um importante efeito multiplicador sobre as demais cadeias produtivas, gerando expansão da economia como um todo. Do outro lado, argumenta-se que a mudança estrutural no sentido de aumentar a produção e exportação de manufaturados e bens de alta tecnologia é necessária para o crescimento sustentado no longo prazo, principalmente quando associada às cadeias globais de valor. Segundo esta linha, apesar dos setores primários gerarem renda no curto prazo, eles são incapazes de garantir crescimento sustentado. Isto porque na indústria estariam concentradas atividades mais dinâmicas em termos de encadeamentos produtivos e tecnologia. Assim, na medida em que a economia se diversificaria, se ampliariam os ganhos de produtividade tanto no nível das firmas como no nível regional.
A estratégia para galgar patamares expressivos de crescimento no longo prazo deve levar em conta as vantagens de uma estrutura produtiva orientada para o setor manufatureiro, dinamizada quando associada a setores primários
Para contribuir nessa análise sobre a relação entre estruturas produtivas e estratégias de crescimento, foram calculados os encadeamentos dos setores para os quatro países durante a década de 2000. Analisando comparativamente o poder multiplicador dos setores dessas economias, verifica-se que a China apresenta robustos encadeamentos em quase todos os setores, enquanto que, no caso brasileiro, o único setor com resultados semelhantes é a indústria petrolífera. Isso indica que a indústria chinesa é bem mais interligada que a dos demais Brics e que, consequentemente, um aumento da demanda na China gera muito mais impacto na economia doméstica do que um aumento equivalente nos demais países. Além disso, os multiplicadores de todos os setores industriais na China são superiores a 2,00, o que significa que o efeito indireto do aumento da demanda é superior ao seu próprio efeito na economia, ou seja, que o aumento de US$ 1,00 na demanda por manufaturados na China implica em um aumento superior a US$ 2,00 na economia como um todo. Não por acaso, o setor manufatureiro na China apresenta um dinamismo tão grande.
A análise dos multiplicadores pode ser complementada pela avaliação dos índices de ligação para trás e para frente. Esses índices mostram, respectivamente, quais são os setores com maior potencial de impulsionar a economia, e quais são os principais fornecedores para as cadeias produtivas. Em todos os países, o que se verifica é que os setores manufatureiros são os que apresentam maiores índices de ligação para trás, o que significa que esses setores são os mais dinâmicos no sentido de estimular a produção da economia como um todo. Por outro lado, os setores de utilidades (água, energia e etc.), petróleo, químico e commodities minerais são os que apresentam maiores índices de ligação para frente, indicando a importância de se ter esses setores estruturados para que a economia não enfrente gargalos na produção.
Por fim, a análise dos índices de ligação puros normalizados permite avaliar a importância dos setores para a economia, tanto em termos do encadeamento, quanto em relação ao tamanho do setor. Com relação às commodities agrícolas e químicas, verificam-se valores elevados em todos os Brics, exceto na Rússia, demonstrando a importância desses setores para o desenvolvimento da indústria de alimentos, que apresenta elevados índices de ligação para trás. Porém, o setor de commodities minerais não apresenta o mesmo dinamismo. Esse indicador é superior à unidade apenas na China, o que demonstra que Brasil, Rússia e Índia exportam tais produtos com baixo grau de processamento, não se aproveitando da produção desse setor para desenvolver uma indústria metal-mecânica diversificada, tal como tem feito a China.
Assim, o que se verifica a partir dessa análise é que, apesar do termo "Brics" unir Brasil, Rússia, Índia e China, as bases produtivas e as estratégias desses países no comércio internacional se diferem bastante. Enquanto os elevados multiplicadores e índices de ligação chineses, principalmente no setor manufatureiro, demonstram que a estrutura produtiva desse país é bastante articulada, por outro lado, no Brasil, na Índia e, principalmente, na Rússia, há uma forte dependência da produção e exportação de commodities com baixo grau de processamento. Ademais, vale ressaltar que, independentemente do país analisado, os índices calculados revelam que o setor manufatureiro é o que apresenta maior inter-relação com o resto da economia. Assim, uma estratégia que tenha por finalidade galgar patamares expressivos de crescimento no longo prazo deve levar em consideração as vantagens de uma estrutura produtiva orientada para o setor manufatureiro, podendo ser ainda dinamizada quando associada a setores primários, como se verificou no caso da indústria petrolífera.
Guilherme Magacho e Igor Rocha são economistas, doutorandos pela University of Cambridge, Inglaterra.
Nelson Marconi é economista e professor da EESP-FGV.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Voltar a Crescer



Por Antonio Delfin Netto
Em linhas muito gerais, a redução da taxa de crescimento do Brasil no último meio século pode ser explicada por dois fatos muito simples e que dispensam as "grandes teorias" que costumam esconder as ideologias:
1) Uma redução dramática dos investimentos em infraestrutura, junto com um aumento não menos dramático da carga tributária bruta, combinados com uma formidável revolução demográfica, que se vê no quadro abaixo.
É claro que se trata de uma gigantesca simplificação, mas ela vai ao cerne do problema técnico do crescimento: o aumento da quantidade de capital físico (kWh, tornos, tratores, estradas, pontes, portos, comunicação, saneamento etc.) por trabalhador, que aumenta a sua produtividade e é, por definição, o próprio desenvolvimento econômico.

Está cada vez mais difícil prosseguir com a redistribuição de renda

Como o investimento líquido (isto é, o investimento bruto, deduzido da depreciação do capital físico utilizado para produzir o PIB) incorpora ao longo do tempo inovações e progressos tecnológicos, uma parte dele tem que ser destinada para educar a força de trabalho. O investimento público em infraestrutura e em educação, num ambiente de confiança e estabilidade, é o principal indutor do investimento privado, o que cria uma espécie de círculo virtuoso que sustenta o crescimento.
2) Enquanto existe mão de obra disponível (porque a população está crescendo depressa, ou a agricultura a está liberando, ou aumenta a participação da população na força de trabalho), o crescimento - produzido pelo aumento do capital físico por trabalhador - é auxiliado na produção do PIB pelo aumento dos trabalhadores incorporados ao processo produtivo.
Nos últimos 40 anos, a situação demográfica mudou completamente, devido à revolução produzida pelas mulheres: elas se educaram mais do que os homens, reduziram sua taxa de fertilidade (em 1970, cada mulher deixava seis filhos, hoje deixa menos de dois) e introjetaram que a única forma de ascensão social de seus filhos é a educação. Isso reforça a ideia de que hoje o desenvolvimento só pode vir ligado ao aumento dos investimentos públicos e privados para dar a cada trabalhador mais capital físico, que incorpora mais tecnologia, e educação, para que ele possa manipulá-lo de forma mais adequada.
Temos insistido que a combinação dos fatores para produzir o PIB é uma questão técnica. Ela se resolve pelo uso de mercados que, quando bem regulados, produzem um sistema de preços relativos, que estimula a busca do resultado produtivo mais eficiente. Com relação a isso, os avanços da microeconomia sugerem que decisões políticas apressadas, ou pouco sofisticadas, produzem (no longo prazo, porque as consequências vêm sempre depois...) resultados muito inferiores para o aumento do nível de bem-estar da sociedade.
Por outro lado, a distribuição do que cabe ao trabalho e do que cabe ao capital no que foi produzido (o PIB) é um problema político. Resolve-se pela ação do poder incumbente escolhido nas urnas numa democracia, condicionado pelas instituições que a controlam. A sua solução pode impor, portanto, restrições ao nível dos investimentos e, no final, ao próprio desenvolvimento, se não houver uma relativa harmonia entre o que se distribui e consome, e o que se acumula para aumentar a produtividade e trabalho. É isso que cria as condições para a continuidade do processo redistributivo.
O Brasil colhe os efeitos benéficos de uma redistribuição de renda que, até recentemente, foi facilitada pelos ganhos externos proporcionados pela melhoria de nossas "relações de troca", mas que está cada vez mais difícil de prosseguir, principalmente pelo aumento exponencial do seu custo fiscal.
A preocupação com a higidez da economia nacional está ligada à ausência visível da necessária revisão na própria política de proteção - às vezes contraditória a alguns setores -, que deveria ser acompanhada de uma profunda mudança de todo o sistema de apropriação e distribuição dos recursos pelo governo. É preciso começar com orçamento de base-zero, que elimine os milhares de programas que subsistem por inércia (uma vez que perderam a sua funcionalidade) e ir até a crítica cuidadosa da eficiência de todas as ações fiscais.
Sem providências dessa natureza, a possibilidade de continuarmos a reduzir o nível de desigualdade ainda existente e, ao mesmo tempo, acelerarmos o crescimento para maximizar o avanço do bem estar de toda a população, ficará cada vez menor.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

sexta-feira, 30 de maio de 2014

A mentira nas redes sociais - Um desserviço à população




Ontem 29/05/2014 tive o desprazer ao ver que utilizar a inverdade virou coisa corriqueira e normal, até para um economista renomado como o Sr. Ricardo Amorim, a quem até nutria um profundo respeito.

Ricardo Amorim postou em sua página no Twitter um quadro em que mostra que o Brasil investiu em 2010 apenas US$ 958,00 por aluno em Educação, conforme quadro abaixo:


Penso que combater um erro com outro erro gera um desserviço ao povo, e o Economista Ricardo Amorim da Globo foi infeliz em sua FALÁCIA, o que colocou em cheque sua idoneidade técnica e seus gráficos animados com números falsos e gritantes.


Em primeiro lugar, é importante esclarecer que há uma obrigatoriedade na Constituição Federal Art. 212 em que a União mínimo 18% e, os Estados, Municípios e DF são obrigados a investir no mínimo 25% da receita de impostos com Educação. 

Então, como pode isso resultar em US$ 958,00? Isso é falta de respeito com a sociedade. Quando respondi em seu próprio Twitter fazendo a correção, tive meu post deletado de sua Time line para não abalar seu ego desmedido. Segue pagina da OCDE que mostra os números verdadeiros:


O país está cansado da corrupção dos políticos, mas também das falcatruas dos técnicos neoliberais que trabalham apenas para as grandes multinacionais, sem se preocupar com a grande maioria que padece de oportunidades em todas as áreas, principalmente a educação, a saúde e bem estar social. 


Só me resta alertar a todos a ter um pouco mais de curiosidade ao acessar as informações postadas nas redes sociais e confirmar a veracidade do  que foi publicado, pois vocês são formadores de opinião. Se não fizermos isso, onde vamos parar? O Brasil precisa avançar sim em muitas áreas, mas não podemos negar que avançamos significativamente.





PESQUISEM TUDO O QUE SE COLOCA NA REDE COMO PSEUDO-VERDADE!!

Segue link do próprio estudo, em inglês, na pagina da OCDE citada como fonte acima, e matéria de 2013 no GLOBO sobre o tema na íntegra:

http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/ocde-brasil-o-pais-com-menor-gasto-por-aluno-no-ensino-medio-entre-32-nacoes-8801755

http://static.publico.pt/DOCS/educacao/educationglance2013.pdf

terça-feira, 20 de maio de 2014

O que nos espera?


"A estabilidade monetária elegeu FHC. O crescimento medíocre daquele período e a redução insensível da desigualdade elegeram Lula. O crescimento forte e a redução importante da desigualdade elegeram Dilma. E agora, que a diminuição da desigualdade começa a atropelar o crescimento, o que teremos?"



Por Antonio Delfin Netto
O resultado mais interessante revelado na última pesquisa Datafolha é que a disputa eleitoral sinaliza que será mais emocionante do que parecia até recentemente, apesar de não reduzir significativamente a possibilidade de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Seu aspecto mais intrigante é a informação que 3 em cada 4 informantes têm um desejo difuso de "mudanças". Uma hipótese plausível para explicar como isso nasceu e cresceu se encontra no próprio comportamento do governo. Disputou com grande competência midiática o lugar de hospedeiro da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, com o argumento que ajudariam a consolidar o Brasil-Potência que nos daria mais voz no concerto internacional, além de estimular os investimentos de infraestrutura de que padecíamos.
As coisas não saíram como o previsto. Primeiro, a arrogância da Fifa, com sua deslavada e condenável influência mercadista, tentou humilhar o país e reacendeu nosso complexo colonial: para fazer o que deve o governo precisa receber lição externa? Segundo, à medida em que o processo se desenvolvia, criou-se a consciência que a Copa seria para estrangeiros: o luxo dos estádios não poderia ser pago pelo cidadão comum. Este, cujo imposto financiou de uma forma ou de outra aquele luxo, assistirá à Copa num telão, do lado de fora da arena! Terceiro, a sociedade entendeu que o ferro, a areia, o cimento e a mão de obra que construiu os estádios poderiam ter sido melhor utilizados na construção de mais metrôs para atender à mobilidade urbana, de mais habitação popular, de mais hospitais e de mais escolas. Quarto, e muito importante, o avanço civilizatório e a inclusão social que inegavelmente o Brasil vive elevaram o nível das aspirações da sociedade. Esta quer mais de tudo: mais educação, mais saúde, mais habitação, mais transporte urbano! Agora que o futuro chegou parece mais difícil defender a escolha da prioridade que tanto entusiasmo e apoio recebeu quando foi feita...
Parte da sociedade nega inclusão social e avanço civilizatório
Acrescente-se a isso que há ainda uma parte da sociedade brasileira que simplesmente nega aquele avanço civilizatório e a inclusão social, confundindo-os, por puro preconceito, com a construção de um sistema que rejeita a meritocracia (o sistema de cotas, por exemplo) ou desestimula o trabalho (a bolsa família, por exemplo), o que chega a ser inacreditável. Para mostrar como isso é equivocado, basta lembrar que entre 1995 e 2012 o PIB per capita do Brasil cresceu à taxa geométrica média de cerca de 1,4% ao ano, enquanto o índice de bem-estar (que leva em conta também o aumento da igualdade na distribuição da renda) cresceu a 3,8%, como se vê no gráfico abaixo.
Para medir o aumento da igualdade, utilizamos a relação entre a renda média dos 20% mais pobres da população, com relação aos 20% mais ricos, tudo medido a preços de outubro de 2012. Trata-se de um indicador mais intuitivo e mais sensível do que o complemento do índice de Gini, que mede a igualdade, mas é altamente correlacionado com ele. Entre 1995 e 2012, o complemento do índice de Gini (a medida de desconcentração) aumentou de 0,40 para 0,47 (18%), enquanto a relação entre a renda real dos 20% mais pobres com relação aos 20% mais ricos cresceu de 10% para 15% (um aumento de 50%), que mede o mesmo aumento da igualdade.

A média da renda domiciliar per capita dos 20% mais pobres, medida em reais de outubro de 2012, era de R$ 111,05 em 1995 e R$ 118,26 em 2002 (um aumento de 0,9% ao ano). Em 2012 chegou a R$ 220,42 (um aumento de 6,4% ao ano com relação a 2002). O fato interessante é que no governo FHC diminuiu ligeiramente a desigualdade. Houve um aumento da renda média real dos 20% mais pobres de 6,5%, entre 1995 e 2002, e uma redução da renda média real dos 20% mais ricos de 2,6%, o que aumentou a relação entre elas de 9% para 11%, mas alguns perderam. Entre 2003 e 2012 (os governos Lula e Dilma) houve uma verdadeira revolução: enquanto a renda real domiciliar per capita dos 20% mais pobres aumentou 86%, a dos 20% mais ricos aumentou 36%. Ninguém perdeu. Todos melhoraram, mas os 20% mais pobres melhoraram relativamente muito mais do que os 20% mas ricos!
A redução da desigualdade quando não acompanhada do crescimento econômico robusto não é um bom indicador do "bem-estar" da população. A estabilidade monetária elegeu FHC. O crescimento medíocre daquele período e a redução insensível da desigualdade elegeram Lula. O crescimento forte e a redução importante da desigualdade elegeram Dilma. E agora, que a diminuição da desigualdade começa a atropelar o crescimento, o que teremos?

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

quarta-feira, 19 de março de 2014

Dicas importantes antes de comprar seu carro usado



Até hoje, mesmo há algum tempo longe do mercado bancário de financiamentos de veículos, pessoas me procuram com dúvidas sobre como comprar/financiar um veículo, principalmente o usado, que requer maiores cuidados. Além dos juros que são maiores, existem os riscos  mecânicos por se tratar de um carro usado.
Para quem pretende comprar seu primeiro veículo e ainda não pode comprar um zero km, mais que uma aventura, isto requer alguns cuidados antes da aquisição do seu carrão, para que ele não o deixe na mão!!

Procedência é importante
Antes de fechar o negócio, avalie a procedência do veículo usado, procure lojas conceituadas e com tempo de atuação no mercado de usados. Caso a compra seja direto com o proprietário, identifique se ele é o primeiro dono, isso já elimina boa parte das dúvidas iniciais.
Avalie o usado
Para fazer bom negócio no mercado de usados, é preciso fazer uma boa avaliação do carro. Como o mercado está aquecendo, há até consultores especializados em avaliar automóveis (serviço pago).

Dá para perceber que o carro está muito rodado?
Sim. Nem sempre dá para confiar no hodômetro (instrumento que mede a distância percorrida pelo carro), pois ele pode ter sido adulterado.

Alguns indícios de que o carro já rodou bastante:

§  Manopla de câmbio e volante lisos;
§  Pedal do freio desgastado indica que ele passou dos 70.000 km;
§  Marcas irregulares de desgaste nos pneus, que podem significar falta de alinhamento e problemas na suspensão;
§  Balance o carro segurando o para-choque e depois solte. Se ele continuar se mexendo, é sinal de que os amortecedores estão gastos

Como saber se o motor está bom?

§   Procure vazamentos de óleo (motor muito limpo pode ter sido lavado);
§  Verifique as juntas do cabeçote: elas não podem estar muito limpas (indica que foram lavadas para esconder vazamento) nem sujas de óleo (indício de vazamento). Marcas e manchas de óleo no contorno mostram que foram reapertadas e podem estar empenadas;
§  Se o carro demorar a pegar, os bicos injetores estão sujos;
§  Óleo muito escuro e abaixo do nível também são sinais de que o proprietário é desleixado;
§  Fumaça branca ou azul saindo do escapamento indica que o veículo está queimando óleo.



Como avaliar o aspecto externo de um usado?
§  Pintura recente e ondulações são sinais de que o carro foi batido;
§  Verifique o vão entre partes (como capô, grade ou para-choque); se ele for grande, as peças foram trocadas;
§  Repare se há ondulações nas paredes do cofre do motor; elas indicam que o carro pode ter sido batido (pintura nova nas áreas próximas é outro indício de batida);
§  Parafusos de outra cor em chapas e peças da carroceria também indicam reparos;
§  Cheque se as portas estão desalinhadas;
§  Marcas de ferramenta e arranhões em peças como faróis e lanternas revelam se elas já foram trocadas;
§  Procure pontos de solda além dos originais de fábrica

Fontes: Assovesp (Associação dos Revendedores de Veículos Automotores do Estado de São Paulo), Sindirepa-SP (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos do Estado de São Paulo), e Bosch.


Financiamento
As opções para financiar um carro novo são: crédito em banco, em banco da montadora, leasing e consórcio.

As taxas de juros variam de acordo com o banco e a modalidade de financiamento. O cliente pode negociar o dinheiro com o banco e comprar o veículo ou fechar um plano na loja, com financeiras ou bancos de montadoras.

Há muitas montadoras que abriram bancos e que operam em conjunto com as concessionárias. Verifique atentamente com a taxa mais vantajosa e as regras do contrato de financiamento.

O que é CDC (Crédito Direto ao Consumidor)?
Fazer empréstimo no banco para comprar o carro. O veículo fica registrado no nome do comprador, mas alienado ao banco, e não pode ser negociado até que sejam pagas todas as prestações.

O que é leasing?
Financiamento em que o veículo é registrado no nome do banco ou da empresa financeira e só pode ser transferido para o comprador depois que todas as prestações forem pagas.

O que é consórcio
O comprador paga cotas mensais e recebe o carro quando é sorteado, se der lance ou no final do contrato, desde que esteja com as prestações em dia.

O que acontece a quem para de pagar o financiamento?
O consumidor pode perder o carro. No CDC, o banco pode entrar com uma ação na Justiça para usar o carro que já está alienado em seu nome. Leiloa o veículo e usa o valor para pagar as parcelas restantes do financiamento (o dinheiro que sobrar é devolvido ao consumidor).

No leasing, como o carro está em nome do banco ou da empresa financiadora, ela tomará o carro do consumidor, que não recebe nada e perde o que já pagou.

No consórcio, o consumidor perde direito ao carro, mas pode ser ressarcido da parte que já pagou, mas apenas no final do contrato.


Fontes: Banco Central do Brasil e Fundação Getulio Vargas

terça-feira, 18 de março de 2014

Menos Batista, menos...




Por Antonio Delfin Netto

Com toda razão, Fernando Henrique Cardoso e seus principais auxiliares festejam o extraordinário sucesso do programa de estabilização monetária - o chamado Plano Real -, viabilizado pela firme determinação do mercurial presidente Itamar Franco, de quem ele próprio foi ministro da Fazenda. Visto 20 anos depois, ele continua uma pequena joia por sua concepção técnica e pela habilidade política e transparência com que foi posto em prática pelo ministro Ricupero.

Foi um ponto de inflexão na condução da nossa política econômica. Resgatou a confiança da sociedade brasileira, profundamente erodida pelos fracassos anteriores: Cruzado 1 (1985) - o mais bem-sucedido "estelionato eleitoral" de que se tem conhecimento na história universal - Cruzado 2 (1986), Bresser (1987) e Verão (1989) no governo Sarney, Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991).

Deixaram um inconformismo social que desabou em milhares de ações que, um quarto de século depois, estão sob julgamento no Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, ainda não é claro que temos duas questões distintas: 1) se houve dano ao "poder de compra" dos depósitos das cadernetas de poupança, que sejam especificamente corrigidos: a consequência se esgotará no eventual ressarcimento; e 2) se, entretanto, for declarada a inconstitucionalidade dos planos, as consequências serão graves e retirarão do poder do Estado graus de liberdade fundamentais para o exercício futuro da política econômica, o que será uma tragédia.

Num momento eleitoral que parece repetir 1994, PSDB e PT encontram-se, em 2014, numa situação antissimétrica curiosa. O PT foi o único partido que não entendeu a possibilidade de sucesso do Plano Real. Ignorou os avanços da teoria monetária e dos programas de combate à hiperinflação, desenvolvidos no plano israelense de 1984 (sobre o qual os economistas do Real eram particularmente bem informados através de seus professores). Apostou, na eleição de 1994 (FHC contra Lula), que ele fracassaria como os anteriores. Deu-se muito mal em 1994 e 1998!

Apesar dos avanços institucionais e de algumas contribuições importantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, junto com a disciplina imposta aos bancos estaduais, foram decisivas para estabelecer alguma ordem nas finanças públicas da Federação, o Plano Real nunca terminou no que diz respeito ao equilíbrio fiscal. Em 2002, o baixo crescimento do PIB de 1995-2002 (2,3%) e a recusa do PSDB de defender com coragem o que tinha feito (por exemplo, o grande aumento da eficiência produtiva gerada pelas privatizações), facilitou a tarefa da urna de corrigir o economicismo do governo FHC, manifestado como "fadiga de material".

Lula venceu a eleição e construiu uma enorme inclusão social, o que teria sido impossível sem o sucesso da estabilização e sem o "vento de cauda" exterior. O mecanismo dessa inclusão, o uso universal do salário mínimo como indexador (e não o Bolsa Família), tem um preço: estressa cada vez mais, na margem, o crescimento do PIB, o equilíbrio fiscal, a taxa de inflação e o déficit em conta corrente.

A situação privilegiada da presidente Dilma no processo eleitoral em marcha mostra que, aparentemente, a "fadiga de material" não chegou ao ponto em que o jogo com a urna corrigirá os excessos do poder incumbente. Sendo assim - como parece - o objetivo de voltar a um crescimento mais robusto nos próximos anos só pode ser realizado com um aumento da produtividade física do trabalho superior à do salário real. Isso, com a simultânea redução da relação dívida bruta/PIB, da convergência da taxa de inflação à meta e o relativo equilíbrio nas transações correntes, construirá uma profunda confiança recíproca entre o governo e o setor empresarial privado para elevar os investimentos.

Exigirá, também, dos empresários a superação do entendimento que o legítimo objetivo governamental de "modicidade tarifária" não é um desejo de "lucro zero" e, do governo, que respeite os sinais alocativos do mercado em lugar de tentar substituí-los pelo voluntarismo.

De qualquer forma, é um pouco ridícula a disputa quase infantil que estamos assistindo sobre quem foi "melhor": os oito anos de FHC, os oito de Lula ou os três de Dilma. Cada um teve seus méritos e sua herança. O primeiro estabilizou, os segundos distribuíram. Do ponto de vista dos resultados objetivos, e não da propaganda, nivelam-se, com o crescimento no governo Dilma ficando, na margem, cada vez mais parecido com o de FHC.


A tabela abaixo revela esse fato. É por isso que para os recíprocos e calorosos autoelogios, tanto no PSDB quanto no PT, é preciso recomendar como fazia o professor Raimundo na sua célebre escolinha: "Menos, Batista, menos...".



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 17 de março de 2014

A história de quem perdeu



Não há o que comemorar na data próxima de 31 de março de 1964 - 50 anos do golpe que amordaçou a democracia, mas há muito o que refletir sobre um período que se mostra, a cada ano que passa, tão tênue na memória dos brasileiros nascidos pós regime militar.

Como bom amazonense, e pai de um sobrinho-bisneto de um dos maiores oradores que o Amazonas e o Brasil já teve, não posso deixar de citar e documentar, neste humilde blog, uma porção de sua riquíssima história política, sobretudo num dos períodos mais negros da história brasileira, relatados brevemente numa entrevista informal para um dos maiores jornais eletrônicos de circulação nacional.

Amazônida ilustre do município de Humaitá, ex-Deputado Federal, Ex-Ministro do Trabalho e Previdência Social no governo de Jango. Cassado pelo Golpe de Estado de 1964, viveu no exílio por doze anos na Iugoslávia, Uruguai, Chile, Peru e Argentina. Foi também Vice-Governador do Estado de São Paulo na gestão de Orestes Quércia, além de Conselheiro da República no governo do Presidente Luís Inácio " Lula" da Silva.

Viúvo de dona Lygia de Brito Alvares Affonso, pai do músico Sérgio Britto (banda titãs), com raiz genealógica do Rio Grande do Norte, é neto do ex-Senador Almino Álvares Affonso, Tribuno da Abolição da Escravatura. Escritor dos melhores, com várias obras, dentre elas destaco a que será lançada em 31 de março próximo na livraria Cultura de São Paulo, intitulada: "1964: Na visão do Ministro do Trabalho de João Goulart".

Dr. Almino Affonso, minha gratidão como brasileiro, minha honra como amazonense.

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Por Paulo Totti | Para o Valor de São Paulo - Matéria publicada em março de 2014


Em 10 de abril de 1964, o Brasil soube que Almino Monteiro Álvares Affonso era o inimigo público número 14 da República. Esta foi sua posição na lista de 102 brasileiros que tiveram direitos políticos suspensos por integrar, ou apoiar, segundo registros da época, o governo "comuno-petebo-sindicalista" deposto pelas Forças Armadas entre os dias 31 de março e 2 de abril. João Goulart foi o primeiro.  Seguiam-no Jânio Quadros, Luiz Carlos Prestes, Miguel Arraes, Leonel Brizola. O sexto era Rubens Paiva. Celso Furtado, o décimo. Em 9 de abril, o golpismo vitorioso se considerou "autêntica revolução" e se investiu em poder constituinte, conforme o Ato Institucional assinado nesse dia pela junta militar.

O Ato ficou sem número porque os autores não pensaram na hipótese de uma sequência. Mas, em outubro de 1965, veio o AI-2. Depois, o AI-3, o feroz AI-5, até o AI-17, em 1969, além de 104 Atos Complementares, com anexas cassações de mais políticos eleitos, ministros do STF, militares dissidentes e de potenciais candidatos à Presidência, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek e até o ex-governador Carlos Lacerda, líder civil, nos primórdios, do que também se chamou "redentora".

Almino Affonso testemunhou em Brasília a agonia do regime constitucional. Em 44 horas, ruiu um governo que se considerava forte, confiado em apoio popular despido de organização para a resistência e em dispositivo militar que não agiu nem reagiu.

Aos 85 anos, Almino diz que o golpe foi mais que simples quartelada. "Fez parte da história do século XX, capítulo do entrechoque entre Estados Unidos e União Soviética. Sem considerar a Guerra Fria não se entende o golpe no Brasil." O ex-deputado amazonense, na época líder do PTB, partido de Jango, rejeita a versão de que o país foi salvo do comunismo iminente. "Os comunistas não tinham como chegar ao poder. Por eleições, nem falar; por luta armada, nem falar; muito menos em aliança com Jango. A que título um proprietário de terras faria aliança que levasse ao comunismo?"

Sobre o fato de Jango abandonar o poder sem luta, é incisivo: "Não se pode chamar de covarde a quem, tendo um canivete, não reage ao ataque de alguém armado com metralhadora".

- Houve traição, incompetência? O general Argemiro Assis Brasil, chefe da Casa Militar, dizia que armara invencível dispositivo militar para repelir tentativas golpistas.
- Não tenho condições de dizer se houve omissão traiçoeira. Mas houve, no mínimo, incompetência.

As reflexões de Almino estão no livro "1964: Na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart", a ser lançado em noite de autógrafos na Livraria Cultura, em São Paulo, no dia 31. Passados 50 anos, uma conversa com Almino é sempre uma revisita - com redescobertas - à história recente do país.

Bigodes e cabelos levemente grisalhos, glicemia sob controle, ainda vigoroso no vozeirão, no sorriso e na memória, indicou o Ristorante Santo Colomba para este "À Mesa com o Valor". É casa de comida italiana na região dos Jardins, decoração transplantada de antigo bar do Jockey Club do Rio, com a peculiaridade de não aceitar cartões de crédito ou débito. Almino e o proprietário-chefe-de-cozinha, José Alencar de Souza, mineiro de Montes Claros, são amigos de longa data. Encontram-se no corredor e ali mesmo, de pé, decidem que se servirá no jantar arroz com frutos do mar para três. A fotógrafa Ana Paula Paiva e o repórter assistem. Alencar sugere vinho branco. Almino discorda: "No Chile, virei 'tintero', só tomo vinho tinto". Chegam a feliz acordo. O arroz, perfeito no cozimento, e a textura suave do polvo, dos camarões, da lula, conviveriam em harmonia com o Carmenère.



Traçar o perfil de Almino requer recursos de "flashback", recuos e avanços. Líder estudantil, candidato a vereador em São Paulo, deputado federal pelo Amazonas, ministro do Trabalho no governo Goulart, cassado, exilado, secretário de Negócios Metropolitanos no governo de Franco Montoro em São Paulo, vice no de Orestes Quércia, candidato a governador, novamente deputado federal e candidato ao Senado. Vitórias e derrotas nas passagens por siglas como PSB, PST, PTB, MDB, PMDB, PSDB e PDT. Às quais se agregaria PT, se frutificasse o flerte com Luiz Inácio Lula da Silva, em 1979/80 - "diálogos com Lula, razão talvez para outro livro". Aposentado pelos três mandatos de deputado, vive em São Paulo. Sem partido e "inquieto com a falta de representatividade e respeitabilidade de todos os partidos".

"Fale do que viveu, viu e ouviu naqueles dias", pede o repórter.

31 de março. O líder do PTB chega à Câmara pela manhã e surpreende-se com tantos deputados nos corredores. "Não sabe? O general Olímpio Mourão Filho, comandante da guarnição de Juiz de Fora, desde as seis horas está em marcha para derrubar o Jango." Almino liga para o líder do PTB no Senado, Artur Virgílio, pai do hoje prefeito de Manaus. O senador também nada sabe e convida Almino a ir até seu apartamento. De lá, Virgílio telefona para o Palácio das Laranjeiras, no Rio. Almino ouve na extensão. Jango diz que é tudo boato e faz uma pausa. Ouve-se alguém entrar no gabinete. "General", diz Jango, "o que há de verdade sobre sublevação do Mourão?" Uma voz responde: "Nada, presidente, é um movimento de rotina, comum". O interlocutor era o general Assis Brasil. "Nada mais, general?". "Nada mais, presidente, é só isso". Jango ao senador: "Ouviste, Artur? É mais uma falsidade dessa oposição".

À tarde, a Câmara inteira está nos corredores. "Entro numa daquelas rodas e digo: 'De onde vocês tiram tanta fantasia?' E contei o que ouvi. O sobrinho do Juscelino, deputado Carlos Murilo, me tira da roda e diz: 'Se o que você disse é jogada do presidente para criar um clima de distensão, não sei se tem utilidade. Mas, se diz isso porque acredita, está perdido. Belo Horizonte está em pé de guerra. O governador Magalhães Pinto assumiu o comando civil do que chamam de revolução, o general Carlos Luiz Guedes, comandante da IV Infantaria Divisionária, sediada em BH, é o comandante militar. Como é que o presidente não sabe disso?"

O presidente não sabia. A conversa com Virgílio foi ao meio-dia e o presidente só soube oficialmente da sublevação às seis da tarde, quando o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, interrompeu um despacho e entregou-lhe um bilhete. A essa altura, Mourão estava às portas do Rio. Ainda agora, Almino se exaspera: "Do meio-dia às seis da tarde! Como é que o Assis Brasil, questionado por Jango ao meio-dia, não tomou providências, não se informou? Ligasse a um compadre. 'Me conta aí, está havendo algo em Minas?'"

À noite, Jango recebe políticos, Juscelino entre eles, que aconselham recuos: "Rompa com os sindicatos", "demita ministro tal", "feche a UNE [presidida por José Serra]". Jango se negava. Na manhã do dia 1º, voa para Brasília, depois de saber que o general Amaury Kruel, comandante do II Exército, até então amigo, além de compadre, aderira à sedição. O general Armando Âncora, substituto do ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, operado de câncer, alega não poder garantir a segurança do presidente no Rio.

Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/ValorAlmino: "O golpe fez parte da história do século XX, capítulo do entrechoque entre Estados Unidos e União Soviética. Sem considerar a Guerra Fria não se entende o golpe no Brasil"

Às duas da tarde, Jango chama a uma reunião na Granja do Torto o senador Artur Virgílio e os deputados Tancredo Neves, Doutel de Andrade, Temperani Pereira, Luiz Fernando Bocayuva Cunha e Almino. "Vi o presidente com fisionomia abatida, barba por fazer, terno amarfanhado. Telefona o general Ladário Pereira Teles, comandante do III Exército, e recomenda a ida imediata para Porto Alegre, onde imaginava poder resistir. Jango pede nossa opinião. Tancredo e sucessivamente os demais são a favor. Jango concordou, mas deixou claro que não queria dividir o país e repetiu o que já dissera: 'Não suporto a hipótese de derramar sangue do povo em nome do meu mandato'".

Conseguiram o avião mais moderno do país, o Convair 990 da Varig, conhecido como Coronado, 920 quilômetros por hora em voo cruzeiro. Com ele, Jango iria depressa para Porto Alegre. Era começo da noite, aeroporto cheio de aliados civis.

"Detalhe inquietante, o general Nicolau Fico, comandante militar de Brasília, chega de cara amarrada, mal cumprimenta o presidente e retira-se." Jango vai para o avião, aos poucos as pessoas deixam o aeroporto.

"Ficamos, Tancredo, Bocayuva, grande pessoa, meu irmão, e eu. E o avião enorme ali, todo iluminado, não saía do lugar. Já eram dez horas, e nada. Soldados da Aeronáutica fecham o acesso ao pátio do aeroporto. Fiquei com dor no estômago. 'Tancredo, minha sensação é que vão prender o presidente aqui, na cara da gente'. Disse o Tancredo: 'Vamos lá falar com o presidente, tomar alguma providência'".

"Os soldados puseram baioneta na nossa cara. Aí, o Tancredo: 'Abaixem as armas, somos representantes do povo'. Um coronel nos deixa passar. Jango, com Assis Brasil atrás dele, já descia a escada do avião. Abraça-nos e diz: 'Pois é, houve uma pane. É o que dizem'. Levaram Jango para um Avro da FAB, turbo-hélice, um aviãozinho. E naquilo foi Jango para Porto Alegre".

À saída do aeroporto, Tancredo disse: "Há dez anos, participei da última reunião presidida pelo doutor Getúlio. Agora me pergunto se a história se repete e foi a última vez que abracei Jango como presidente".
"Ô, Tancredo, por que tanto pessimismo?", disse Almino.

"Vocês são jovens. Acreditam que o Rio Grande tem condições de resistir sozinho."

À meia-noite, vem o aviso de que o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, convocava o Congresso para sessão extraordinária à uma da manhã. "Sentei na primeira fila, ao lado de Tancredo. Auro abre a sessão e lê uma carta do Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, em que este informava ter o presidente viajado para o Rio Grande do Sul. Encontrava-se, portanto, em território nacional. Ato contínuo, Auro faz o discurso que todos conhecem, diz que o governo está acéfalo e pronuncia as frases célebres: 'Declaro vago o cargo de presidente da República... O presidente da Câmara dos Deputados, Rainieri Mazilli, assume a Presidência da República'".

"Tancredo se levanta e grita: "Canalha! Canalha!" E o deputado Rogê Ferreira, do PSB de São Paulo, porte atlético, empurra os seguranças, vai até Auro e cospe nele duas vezes. Desde então, chamo isso de cusparada cívica. Aconteceu entre uma e meia e duas da madrugada de 2 de abril. Esta é a data do golpe".

Jango chega a Porto Alegre às 3h15. Reúne-se com Ladário e constatam que também as guarnições do III Exército, no interior do Estado, em Santa Catarina e no Paraná, estavam com o golpe. O governador Ildo Meneghetti, golpista, fugira para Passo Fundo, mas controlava a Brigada Militar. Ladário ainda insiste: "Vamos lutar". Jango é o mais sensato, conclui que, ante a total desarticulação, ou inexistência, do "dispositivo", a luta seria suicida. Às 11h45 do dia 2, parte para o Uruguai.

- Onde entra a Guerra Fria nisso?
- A política externa não agradava aos americanos. O Brasil reatou relações com a União Soviética, foi contra a expulsão de Cuba da OEA. Na crise dos mísseis, Kennedy mandou uma carta que era verdadeira convocação para o Brasil acompanhar os Estados Unidos num ataque a Cuba. Lembro a data: 22 de outubro de 1962. Jango reuniu, no Palácio, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, chanceler; Evandro Lins e Silva, procurador-geral da República; Antônio Balbino, ex-consultor geral da República; general Albino Silva, então chefe da Casa Militar, e este jovem. Jango mostra a carta e já traz sua opinião, com anotações à mão, uns garranchos. A opinião dele era o respeito ao princípio de não intervenção. San Tiago escreveu o texto da recusa. Em Genebra, numa conferência sobre desarmamento, o Brasil anuncia que é não alinhado, não se subordina a nenhum bloco militar. Tudo isso contrariava a estratégia dos Estados Unidos, que tinham a América Latina como território seu. Daí o apoio aos golpes em todo o continente. No caso do Brasil, está provado, tropas americanas desembarcariam em Pernambuco se houvesse resistência. Jango já sabia disso, avisado pelo ex-chanceler Afonso Arinos. Não precisaram intervir, pois o financiamento a entidades como Ibad e Ipes, a campanha massiva anti-Jango na imprensa, acabaram por convencer os militares de que o governo ia comunizar o país.

- Um ano depois, o Brasil invade a República Dominicana para derrubar o presidente Francisco Camaño, tido como castrista. Mas não foi só para alinhar o Brasil aos Estados Unidos que aconteceu o golpe.
- Claro que não. A crise social e econômica foi fator propiciatório. A inflação era galopante e havia greves. Em São Paulo houve uma greve de 700 mil trabalhadores, sem intervenção do Ministério do Trabalho. Imagine o que a Fiesp achou disso. As Ligas Camponesas assustavam os latifundiários com o radicalismo da reforma agrária "na lei ou na marra".

- Saiu o Estatuto do Trabalhador Rural...
- O projeto era do tempo de Getúlio. O deputado Fernando Ferrari, então líder do PTB, desengavetou-o e fez dele sua bandeira. Foi aprovado já com Ferrari fora do partido. Ele fundou o Movimento de Renovação Trabalhista (MRT) e se candidatou a vice-presidente, direto contra Jango. Sem rancor, Jango promulgou a lei, que tem a assinatura dele, a minha, como ministro do Trabalho, e a de José Ermírio de Moraes, ministro da Agricultura. O Estatuto jogou os ruralistas contra Jango com violência maior do que a luta pela reforma agrária. Mesmo que fosse possível iniciarmos a reforma agrária, ela, por natureza, não seria instantânea, é um processo. O Estatuto, não. Publicada a lei, no dia seguinte já tem que pagar salário mínimo e dar outros direitos ao trabalhador rural. Dois meses depois, num desastre de avião, morre o Fernando...

- Que outros fatores levaram a quase totalidade dos empresários a apoiar o golpe?
- Uma portaria proibia os sindicatos de unir-se em torno da mesma reivindicação. Como ministro, anulei a portaria. Surgiram os Pactos de Unidade e Ação (PUA), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que organizou o comício de 13 de março na Central do Brasil. E havia a UNE, com greve pela participação dos estudantes na congregação da Universidade.

"A Varig demite o comandante Melo Bastos, com imunidade sindical. A greve que começou na empresa se alastra para outras categorias. Jango me chama, preocupado com a Companhia Siderúrgica Nacional também parar. 'Já pensaste naqueles fornos petrificados?' Digo que ministro do Trabalho não agiria contra uma greve que queria o cumprimento da lei. 'Mas se o senhor pensa diferente, é meu dever entregar o cargo agora mesmo.' Jango reage: 'Ah é? Tu sais de herói, e eu?' Lembro ao presidente que ele foi ministro do Trabalho de Getúlio. 'O senhor usaria a polícia contra os grevistas?' Jango pensou um pouco. 'Esquece.' E ligou para o presidente da Varig, Rubem Berta. 'Ô, Alemão, tá querendo complicar meu governo? Tu faz o favor de readmitir o Melo Bastos. Primeiro, porque tu erraste. Segundo, porque quem tá te falando é o presidente da República.' Berta readmitiu Melo Bastos, a greve acabou, os fornos de Volta Redonda seguiram acesos. Tudo isso acumulou ódios intermináveis."

Almino nasceu em Humaitá, às margens do rio Madeira. Começou o curso de advocacia em Manaus e o concluiu em São Paulo, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde venceu um concurso nacional de oratória. O dom seria reconhecido mais tarde até pelos inimigos. Carlos Lacerda, líder da UDN na Câmara, diria: "Que grande orador é o senhor, o senhor tem asas". O general Mourão desancou Almino em suas memórias, mas destacou a "voz de barítono", a "fluência verbal". O jovem acabou presidente da União Estadual de Estudantes (UEE) e se candidatou a vereador pelo Partido Socialista Brasileiro. Os 870 votos não serviram sequer para boa posição entre os suplentes.

Em 1958, amigos sugerem que, se São Paulo lhe negava a vereança, fosse ao Amazonas e voltasse deputado federal. Em sua terra, filia-se ao PST e, em campanha de "três meses menos três dias", torna-se, aos 28 anos, um dos sete da representação amazonense na Câmara. Usou megafone, banquinho e a voz potente para discursar pelas esquinas de Manaus. O discurso, porém, era diferente, mesclava temas locais aos federais, como a defesa da Petrobrás (ainda com acento).

Na Câmara, entrou para o PTB e chegou a líder da bancada. Integrou a Frente Parlamentar Nacionalista, reelegeu-se, e foi ministro do Trabalho de João Goulart por seis meses. Uma tarde, Juscelino o convidou para um café, disse que queria voltar à Presidência em 1965, faria a reforma agrária, e se sentiria honrado se Almino aceitasse ser seu vice. Veio o golpe, foram ambos cassados e não se falou mais nisso.

- No dia 3 de abril de 64, começou a caça às bruxas. Achou que ia ser preso?
- Rainieri Mazzilli, presidente por duas semanas, pois teve que entregar o poder ao general Humberto Castello Branco, mandou avisar que deputados seriam presos e ele não poderia evitar. Citou meu nome e o de Francisco Julião.

A notícia da cassação chegou quando recebia a visita de San Tiago. O ex-chanceler lhe disse: "O homem público não deve deixar-se prender. Apequena-se, humilha-se, é exposto a vexames. [Em Recife, dias depois, o comunista Gregório Bezerra, descalço, pés em carne viva e puxado por uma corda no pescoço, foi exibido como troféu pelas ruas do bairro da Casa Forte.] Opte pelo exílio. Passará alguns anos fora. No máximo, quatro. Você é jovem". San Tiago morreu de câncer no pulmão cinco meses depois. Almino, no dia 11, entrou na embaixada da Iugoslávia. Exílio de 12 anos.

A embaixada estava vazia. Os móveis, vindos no ano anterior para a visita do marechal Josip Broz Tito a Brasília, voltaram para o Rio. Não sobrou uma cadeira. Na primeira noite, os asilados, eram uma dúzia, dormiram no chão, depois arrumaram camas de vento e se cotizaram para comida e sabonetes. No início, estavam lá os deputados Bocayuva e Lício Hauer, do Rio, Fernando Santana, da Bahia, e José Aparecido de Oliveira, da "bossa nova" da UDN mineira. Rubens Paiva, "outro amigo-irmão", chegou mais tarde. Viajaram para Belgrado num navio cargueiro. Rubens Paiva conseguiu ir logo para Paris e, com a mulher, Eunice, foi de carro buscar Almino dois meses depois. Em Paris, Almino recebia "westerns" do Uruguai, "venha, venha", porque Montevidéu se transformava na capital política do exílio. Atendeu ao chamado. O Uruguai ainda não ingressara no clube das ditaduras sul-americanas. Apesar disso, o governo brasileiro pressionou e o uruguaio, então um colegiado, expulsou Almino, em abril de 1965.

- Sua família, onde ficou?
- Ficou no drama, em Brasília. Estivemos 18 meses separados. Quando me asilei, tudo que tinha eram R$ 6 mil, dinheiro de hoje, sempre fui de marré-marré. Estava na embaixada quando nasceu meu quarto filho. Minha mulher, Lígia Britto, trabalhava no Ministério da Fazenda, concursada, já estava lá quando nos conhecemos. O salário dela, que não era alto, teve que suportar as despesas da casa e ainda sustentar sua mãe. Os amigos se cotizaram para nos ajudar. Do Uruguai fui para o Chile, contratado pela Organização Internacional do Trabalho, OIT. Pude, então, trazer a família para Santiago.

Lígia morreu há seis anos. O segundo dos quatro filhos, Sérgio Britto, é tecladista da banda Titãs, parceiro de Arnaldo Antunes.

Augusto Pinochet dá o golpe no Chile e a OIT o transfere para o Peru. Lígia e os filhos voltam para o Brasil, os garotos, alfabetizados em espanhol, estudarão em escolas brasileiras. O quadro político no Peru também era instável e a Argentina vivia curta, e tempestuosa, pausa entre ditaduras (governo Isabel Perón). Almino vai trabalhar na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em Buenos Aires. De seis em seis meses, a família ia visitá-lo. Volta ao Brasil e à política brasileira em 1976, mas teria que esperar até 1985 para rever um civil no Palácio do Planalto.

Presidente eleito por voto direto, só em março de 1990.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O que Keynes faria em 2014?



Por John Wasik | Da Reuters

O que muita gente desconhece sobre o economista John Maynard Keynes é que ele foi um investidor profissional, e não apenas um pensador que debruçou-se sobre grandes questões econômicas. Embora Keynes não tenha previsto o crash de 1929 e tenha perdido quase todo seu capital em três ocasiões distintas, ganhou dinheiro durante alguns dos anos mais difíceis.

Então, como é que o pai da economia keynesiana, falecido em 1946, teria agido em 2014? Ele provavelmente não teria sido influenciado pela recente queda no mercado - o índice S&P 500 perdeu 3% até 24 de janeiro. No início de 1930, Keynes logo descartou o consenso generalizado com base em análises de fundamentos econômicos, passando, em vez disso, a focar o valor intrínseco das companhias. A estratégia influenciou megainvestidores como Warren Buffett, George Soros e John Bogle.

Quando as ações tomavam uma surra, Keynes comprava. Ao fazer pesquisas para meu recente livro "Keynes's Way to Wealth", descobri que Keynes ganhou dinheiro em 12 dos 18 anos entre 1928 e 1945, um período que compreende o crash de 1929, a Grande Depressão e a Segunda Guerra. No todo, o retorno anualizado da carteira "Chest" em Cambridge, um portfólio do qual ele foi gestor, chegou a 13% entre 1928 e 1945, em comparação com 0,11% negativo para o mercado britânico no período.

Como Keynes conseguiu esse desempenho? Conheça algumas estratégias que ele desenvolveu:

1. Ignore o ruído - Keynes considerava as informações diárias de preços como: "uma influência inteiramente excessiva, e até mesmo absurda, sobre o mercado". A menos que você seja capaz de superar os programas robóticos que compram e vendem ações em alta frequência, você não deve operar no mercado com base nas variações de preços no curto prazo. Pense em horizontes anuais e pratique política de investimentos de longo prazo.

2. Seja "do contra" - Isso significa comprar ações não badaladas, e não dos glamourosos titãs da tecnologia, como Google e Apple. Keynes comprou ações de companhias fora dos holoftes, nos setores de navegação, ferroviário e minerador nos anos 1930. Elas mais tarde se recuperaram e registraram lucros enormes. Hoje, os sapos que poderão virar príncipes estão nos setores imobiliário, de energia e de geração - todas com os piores retornos no S&P 500 no ano passado.

3. Prefira ações a títulos para superar a inflação - Keynes abandonou a "dieta" tradicional dos gestores de carteira institucionais - títulos e ações - e passou a "digerir" ações em 1920 e 1930. Além de proporcionar um retorno de 30% no ano passado, as ações ordinárias valorizaram, em média, 10% entre 1926 e 2013. Os "ultraseguros" títulos do Tesouro dos EUA renderam, em média, apenas 3,5% e perderam para a inflação no ano passado.

4. Commodities podem ser perigosamente voláteis - Keynes manteve-se fortemente exposto a contratos futuros de commodities na década de 1920, mas foi esmagado no crash de 1929. Commodities são uma proteção confiável contra a inflação que não acompanham o movimento das ações; mas, em caso de catástrofe no mercado, as commodities acompanham as ações. Quando a demanda mundial por mercadorias como petróleo, metais e produtos agrícolas despenca, como ocorreu na década de 1930 e em 2008, é bom ter mantido distância desses mercados.

5. Dividendos são desejáveis - Algumas das empresas mais valiosas do mundo não são glamourosas, mas vêm pagando dividendos estáveis há décadas. Vale a pena investir nelas porque intensificam o retorno total acumulado, especialmente se você reinvestir os dividendos em mais ações. Keynes buscou pagadoras de dividendos nos anos 1930, quando as ações de muitas dessas empresas estavam sendo rejeitadas. Atualmente, você sequer precisa comprar ações individuais: compre e mantenha participações em um fundo listado em bolsa (ETF), como o SPDR S&P Dividend, que investe em empresas sólidas, como AT&T, Consolidated Edison e Clorox. O fundo ganhou 30% no ano passado, proporciona um rendimento de 2% e cobra uma taxa de administração de 0,35% ao ano pela gestão de uma carteira de empresas que vêm incrementando regularmente os seus dividendos.

6. Pare de suar - Quando Keynes parou de tentar identificar os momentos certos para assumir e/ou vender posições no mercado, ele passou a ter mais êxito. Suas melhores carteiras incluíam empresas com sólidas perspectivas de longo prazo, que foram compradas a preços de banana e envolviam empresas em todo o mundo. Ele comprava mais ações quando ficavam mais baratas, ignorando o grau de interesse do mercado. Keynes aprendeu que abandonar previsões "macro" era vantajoso, ele se deu bem ao privilegiar um enfoque baseado nos valores intrínsecos das empresas ou em que medida poderiam ampliar seus ganhos no futuro com base nos modelos de gestão e de negócios.

A lição keynesiana é investir de olho num horizonte mais distante, manter-se fiel ao plano de investimentos e evitar se distrair. Aproveite oportunidades de compra - mesmo quando o ânimo da manada parecer depressivo.

John Wasik é colunista da Reuters e as opiniões expressas nesta análise correspondem somente à visão do autor.