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terça-feira, 20 de maio de 2014

O que nos espera?


"A estabilidade monetária elegeu FHC. O crescimento medíocre daquele período e a redução insensível da desigualdade elegeram Lula. O crescimento forte e a redução importante da desigualdade elegeram Dilma. E agora, que a diminuição da desigualdade começa a atropelar o crescimento, o que teremos?"



Por Antonio Delfin Netto
O resultado mais interessante revelado na última pesquisa Datafolha é que a disputa eleitoral sinaliza que será mais emocionante do que parecia até recentemente, apesar de não reduzir significativamente a possibilidade de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Seu aspecto mais intrigante é a informação que 3 em cada 4 informantes têm um desejo difuso de "mudanças". Uma hipótese plausível para explicar como isso nasceu e cresceu se encontra no próprio comportamento do governo. Disputou com grande competência midiática o lugar de hospedeiro da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, com o argumento que ajudariam a consolidar o Brasil-Potência que nos daria mais voz no concerto internacional, além de estimular os investimentos de infraestrutura de que padecíamos.
As coisas não saíram como o previsto. Primeiro, a arrogância da Fifa, com sua deslavada e condenável influência mercadista, tentou humilhar o país e reacendeu nosso complexo colonial: para fazer o que deve o governo precisa receber lição externa? Segundo, à medida em que o processo se desenvolvia, criou-se a consciência que a Copa seria para estrangeiros: o luxo dos estádios não poderia ser pago pelo cidadão comum. Este, cujo imposto financiou de uma forma ou de outra aquele luxo, assistirá à Copa num telão, do lado de fora da arena! Terceiro, a sociedade entendeu que o ferro, a areia, o cimento e a mão de obra que construiu os estádios poderiam ter sido melhor utilizados na construção de mais metrôs para atender à mobilidade urbana, de mais habitação popular, de mais hospitais e de mais escolas. Quarto, e muito importante, o avanço civilizatório e a inclusão social que inegavelmente o Brasil vive elevaram o nível das aspirações da sociedade. Esta quer mais de tudo: mais educação, mais saúde, mais habitação, mais transporte urbano! Agora que o futuro chegou parece mais difícil defender a escolha da prioridade que tanto entusiasmo e apoio recebeu quando foi feita...
Parte da sociedade nega inclusão social e avanço civilizatório
Acrescente-se a isso que há ainda uma parte da sociedade brasileira que simplesmente nega aquele avanço civilizatório e a inclusão social, confundindo-os, por puro preconceito, com a construção de um sistema que rejeita a meritocracia (o sistema de cotas, por exemplo) ou desestimula o trabalho (a bolsa família, por exemplo), o que chega a ser inacreditável. Para mostrar como isso é equivocado, basta lembrar que entre 1995 e 2012 o PIB per capita do Brasil cresceu à taxa geométrica média de cerca de 1,4% ao ano, enquanto o índice de bem-estar (que leva em conta também o aumento da igualdade na distribuição da renda) cresceu a 3,8%, como se vê no gráfico abaixo.
Para medir o aumento da igualdade, utilizamos a relação entre a renda média dos 20% mais pobres da população, com relação aos 20% mais ricos, tudo medido a preços de outubro de 2012. Trata-se de um indicador mais intuitivo e mais sensível do que o complemento do índice de Gini, que mede a igualdade, mas é altamente correlacionado com ele. Entre 1995 e 2012, o complemento do índice de Gini (a medida de desconcentração) aumentou de 0,40 para 0,47 (18%), enquanto a relação entre a renda real dos 20% mais pobres com relação aos 20% mais ricos cresceu de 10% para 15% (um aumento de 50%), que mede o mesmo aumento da igualdade.

A média da renda domiciliar per capita dos 20% mais pobres, medida em reais de outubro de 2012, era de R$ 111,05 em 1995 e R$ 118,26 em 2002 (um aumento de 0,9% ao ano). Em 2012 chegou a R$ 220,42 (um aumento de 6,4% ao ano com relação a 2002). O fato interessante é que no governo FHC diminuiu ligeiramente a desigualdade. Houve um aumento da renda média real dos 20% mais pobres de 6,5%, entre 1995 e 2002, e uma redução da renda média real dos 20% mais ricos de 2,6%, o que aumentou a relação entre elas de 9% para 11%, mas alguns perderam. Entre 2003 e 2012 (os governos Lula e Dilma) houve uma verdadeira revolução: enquanto a renda real domiciliar per capita dos 20% mais pobres aumentou 86%, a dos 20% mais ricos aumentou 36%. Ninguém perdeu. Todos melhoraram, mas os 20% mais pobres melhoraram relativamente muito mais do que os 20% mas ricos!
A redução da desigualdade quando não acompanhada do crescimento econômico robusto não é um bom indicador do "bem-estar" da população. A estabilidade monetária elegeu FHC. O crescimento medíocre daquele período e a redução insensível da desigualdade elegeram Lula. O crescimento forte e a redução importante da desigualdade elegeram Dilma. E agora, que a diminuição da desigualdade começa a atropelar o crescimento, o que teremos?

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

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