Por Antonio Delfin Netto
Com toda razão,
Fernando Henrique Cardoso e seus principais auxiliares festejam o
extraordinário sucesso do programa de estabilização monetária - o chamado Plano
Real -, viabilizado pela firme determinação do mercurial presidente Itamar
Franco, de quem ele próprio foi ministro da Fazenda. Visto 20 anos depois, ele
continua uma pequena joia por sua concepção técnica e pela habilidade política
e transparência com que foi posto em prática pelo ministro Ricupero.
Foi um ponto de
inflexão na condução da nossa política econômica. Resgatou a confiança da
sociedade brasileira, profundamente erodida pelos fracassos anteriores: Cruzado
1 (1985) - o mais bem-sucedido "estelionato eleitoral" de que se tem
conhecimento na história universal - Cruzado 2 (1986), Bresser (1987) e Verão
(1989) no governo Sarney, Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991).
Deixaram um
inconformismo social que desabou em milhares de ações que, um quarto de século
depois, estão sob julgamento no Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, ainda
não é claro que temos duas questões distintas: 1) se houve dano ao "poder
de compra" dos depósitos das cadernetas de poupança, que sejam
especificamente corrigidos: a consequência se esgotará no eventual
ressarcimento; e 2) se, entretanto, for declarada a inconstitucionalidade dos
planos, as consequências serão graves e retirarão do poder do Estado graus de
liberdade fundamentais para o exercício futuro da política econômica, o que será
uma tragédia.
Num momento eleitoral
que parece repetir 1994, PSDB e PT encontram-se, em 2014, numa situação
antissimétrica curiosa. O PT foi o único partido que não entendeu a
possibilidade de sucesso do Plano Real. Ignorou os avanços da teoria monetária
e dos programas de combate à hiperinflação, desenvolvidos no plano israelense
de 1984 (sobre o qual os economistas do Real eram particularmente bem
informados através de seus professores). Apostou, na eleição de 1994 (FHC
contra Lula), que ele fracassaria como os anteriores. Deu-se muito mal em 1994
e 1998!
Apesar dos avanços
institucionais e de algumas contribuições importantes, como a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que, junto com a disciplina imposta aos bancos
estaduais, foram decisivas para estabelecer alguma ordem nas finanças públicas
da Federação, o Plano Real nunca terminou no que diz respeito ao equilíbrio
fiscal. Em 2002, o baixo crescimento do PIB de 1995-2002 (2,3%) e a recusa do
PSDB de defender com coragem o que tinha feito (por exemplo, o grande aumento
da eficiência produtiva gerada pelas privatizações), facilitou a tarefa da urna
de corrigir o economicismo do governo FHC, manifestado como "fadiga de
material".
Lula venceu a eleição e
construiu uma enorme inclusão social, o que teria sido impossível sem o sucesso
da estabilização e sem o "vento de cauda" exterior. O mecanismo dessa
inclusão, o uso universal do salário mínimo como indexador (e não o Bolsa Família),
tem um preço: estressa cada vez mais, na margem, o crescimento do PIB, o
equilíbrio fiscal, a taxa de inflação e o déficit em conta corrente.
A situação privilegiada
da presidente Dilma no processo eleitoral em marcha mostra que, aparentemente,
a "fadiga de material" não chegou ao ponto em que o jogo com a urna
corrigirá os excessos do poder incumbente. Sendo assim - como parece - o objetivo
de voltar a um crescimento mais robusto nos próximos anos só pode ser realizado
com um aumento da produtividade física do trabalho superior à do salário real.
Isso, com a simultânea redução da relação dívida bruta/PIB, da convergência da
taxa de inflação à meta e o relativo equilíbrio nas transações correntes,
construirá uma profunda confiança recíproca entre o governo e o setor
empresarial privado para elevar os investimentos.
Exigirá, também, dos
empresários a superação do entendimento que o legítimo objetivo governamental
de "modicidade tarifária" não é um desejo de "lucro zero"
e, do governo, que respeite os sinais alocativos do mercado em lugar de tentar
substituí-los pelo voluntarismo.
De qualquer forma, é um
pouco ridícula a disputa quase infantil que estamos assistindo sobre quem foi
"melhor": os oito anos de FHC, os oito de Lula ou os três de Dilma.
Cada um teve seus méritos e sua herança. O primeiro estabilizou, os segundos
distribuíram. Do ponto de vista dos resultados objetivos, e não da propaganda,
nivelam-se, com o crescimento no governo Dilma ficando, na margem, cada vez
mais parecido com o de FHC.
A tabela abaixo revela
esse fato. É por isso que para os recíprocos e calorosos autoelogios, tanto no
PSDB quanto no PT, é preciso recomendar como fazia o professor Raimundo na sua
célebre escolinha: "Menos, Batista, menos...".
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.


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