Por Antonio Delfin Netto
Em linhas muito gerais, a redução da taxa de
crescimento do Brasil no último meio século pode ser explicada por dois fatos
muito simples e que dispensam as "grandes teorias" que costumam
esconder as ideologias:
1) Uma redução dramática dos investimentos em
infraestrutura, junto com um aumento não menos dramático da carga tributária
bruta, combinados com uma formidável revolução demográfica, que se vê no quadro
abaixo.
É claro que se trata de uma gigantesca
simplificação, mas ela vai ao cerne do problema técnico do crescimento: o
aumento da quantidade de capital físico (kWh, tornos, tratores, estradas,
pontes, portos, comunicação, saneamento etc.) por trabalhador, que aumenta a
sua produtividade e é, por definição, o próprio desenvolvimento econômico.
Está
cada vez mais difícil prosseguir com a redistribuição de renda
Como o investimento líquido (isto é, o investimento
bruto, deduzido da depreciação do capital físico utilizado para produzir o PIB)
incorpora ao longo do tempo inovações e progressos tecnológicos, uma parte dele
tem que ser destinada para educar a força de trabalho. O investimento público
em infraestrutura e em educação, num ambiente de confiança e estabilidade, é o
principal indutor do investimento privado, o que cria uma espécie de círculo
virtuoso que sustenta o crescimento.
2) Enquanto existe mão de obra disponível (porque a
população está crescendo depressa, ou a agricultura a está liberando, ou
aumenta a participação da população na força de trabalho), o crescimento -
produzido pelo aumento do capital físico por trabalhador - é auxiliado na
produção do PIB pelo aumento dos trabalhadores incorporados ao processo
produtivo.
Nos últimos 40 anos, a situação demográfica mudou
completamente, devido à revolução produzida pelas mulheres: elas se educaram
mais do que os homens, reduziram sua taxa de fertilidade (em 1970, cada mulher
deixava seis filhos, hoje deixa menos de dois) e introjetaram que a única forma
de ascensão social de seus filhos é a educação. Isso reforça a ideia de que
hoje o desenvolvimento só pode vir ligado ao aumento dos investimentos públicos
e privados para dar a cada trabalhador mais capital físico, que incorpora mais
tecnologia, e educação, para que ele possa manipulá-lo de forma mais adequada.
Temos insistido que a combinação dos fatores para
produzir o PIB é uma questão técnica. Ela se resolve pelo uso de mercados que,
quando bem regulados, produzem um sistema de preços relativos, que estimula a
busca do resultado produtivo mais eficiente. Com relação a isso, os avanços da
microeconomia sugerem que decisões políticas apressadas, ou pouco sofisticadas,
produzem (no longo prazo, porque as consequências vêm sempre depois...)
resultados muito inferiores para o aumento do nível de bem-estar da sociedade.
Por outro lado, a distribuição do que cabe ao
trabalho e do que cabe ao capital no que foi produzido (o PIB) é um problema
político. Resolve-se pela ação do poder incumbente escolhido nas urnas numa
democracia, condicionado pelas instituições que a controlam. A sua solução pode
impor, portanto, restrições ao nível dos investimentos e, no final, ao próprio
desenvolvimento, se não houver uma relativa harmonia entre o que se distribui e
consome, e o que se acumula para aumentar a produtividade e trabalho. É isso
que cria as condições para a continuidade do processo redistributivo.
O Brasil colhe os efeitos benéficos de uma
redistribuição de renda que, até recentemente, foi facilitada pelos ganhos
externos proporcionados pela melhoria de nossas "relações de troca",
mas que está cada vez mais difícil de prosseguir, principalmente pelo aumento
exponencial do seu custo fiscal.
A preocupação com a higidez da economia nacional
está ligada à ausência visível da necessária revisão na própria política de
proteção - às vezes contraditória a alguns setores -, que deveria ser
acompanhada de uma profunda mudança de todo o sistema de apropriação e
distribuição dos recursos pelo governo. É preciso começar com orçamento de
base-zero, que elimine os milhares de programas que subsistem por inércia (uma
vez que perderam a sua funcionalidade) e ir até a crítica cuidadosa da
eficiência de todas as ações fiscais.
Sem providências dessa natureza, a possibilidade de
continuarmos a reduzir o nível de desigualdade ainda existente e, ao mesmo
tempo, acelerarmos o crescimento para maximizar o avanço do bem estar de toda a
população, ficará cada vez menor.
Antonio Delfim Netto é professor
emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve
às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br


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