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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Mundo estranho: lucros e investimentos tomam caminhos opostos



Por André Rocha - Estrategista

Ninguém duvida de que tivemos uma das piores crises do capitalismo em 2008, cujos reflexos ainda permanecem com recessões, juros baixos e liquidez elevada incentivada pelos bancos centrais. Nesse cenário, não há como a economia real passar incólume. Nos Estados Unidos os lucros e os investimentos das corporações que geralmente caminhavam lado a lado, tomaram caminhos opostos. Enquanto os primeiros continuam ascendentes, os gastos com capital despencaram. E no Brasil, como essas variáveis têm se comportado?

A reportagem do Financial Times “Empresas dos EUA lucram mais, mas investem menos”, publicada no Valor de 8 de agosto, mostrou que as empresas têm adotado comportamento pouco usual. Entre 1952 até 1980, lucros e investimentos caminharam lado a lado, representando ambos cerca de 9% do PIB. Essa relação foi mais fraca nas décadas seguintes, mas rompeu-se definitivamente em 2009. Enquanto os lucros engataram uma tendência de alta, atingindo 12% do PIB, os desembolsos com capital despencaram para 4% do PIB.

Embora o lucro seja uma medida contábil, é razoável supor que quanto maior o lucro, maior a geração de caixa e vice versa. Por isso, a relação entre lucros e investimentos geralmente andam juntas. Com maior geração de caixa, parte dos recursos é destinada a investimentos produtivos. Contudo, isso não tem ocorrido.

A reportagem sugere diversas explicações para o fenômeno. Alguns especialistas alegam que, com a crise de 2008, a elevação da capacidade ociosa permitiu que os resultados crescessem sem adição de nova capacidade produtiva. Outros dizem que a perspectiva de baixo crescimento não tem incentivado as companhias a investirem. Já as companhias culpam o excesso de regulação, de tributação e as incertezas de política econômica como restritivas ao investimento. Uma corrente cita o avanço da informatização: a queda do preço dos computadores em relação a outros itens de capital e seu uso mais intensivo explicariam a redução dos investimentos totais da economia. Outra explicação é relacionada a essa última. As estatísticas não tem computado corretamente o avanço dos ativos intangíveis “como pesquisa, desenvolvimento de marcas e melhor organização empresarial”. 

O economista Paul Krugman advoga tese mais pessimista: “um aumento do poder monopolista” das grandes corporações, cujos resultados crescem por intermédio da diluição de custos e aumento dos preços. Outra teoria fala da importância excessiva que os executivos têm dado ao lucro por ação de forma a aumentar suas remunerações. A visão de curto prazo dos agentes de mercado tem incentivado às companhias a serem eficientes no controle dos custos e a evitarem investimentos de risco. Com isso aumenta-se o lucro sem contrapartida de incremento dos gastos com capital.

E no Brasil? Peguei o índice acionário brasileiro com maior número de empresas, o IBrX, e calculei os lucros e investimentos em relação ao PIB entre 2003 e 2012, Eliminei as companhias integrantes do índice que não apresentaram resultados em todos os anos. Restaram 70 empresas. Durante o período tanto o lucro quanto os investimentos andaram em linha com exceção de 2005, 2012 e 2013 (entre junho de 2012 e junho de 2013). Em 2005, os investimentos caíram enquanto os lucros permaneceram firmes, situação similar a dos Estados Unidos hoje. Contudo, fenômeno inverso ocorreu em 2012 e 2013: os investimentos permaneceram ascendentes e os lucros despencaram.



Minha leitura é a de que os lucros sentiram o efeito da desaceleração da economia. Por outro lado, mudanças na decisão de investimentos não são tão ágeis. Assim, os gastos com capital não foram descontinuados apesar da alteração do quadro macroeconômico.
Essa situação tanto nos EUA quanto no Brasil não é sustentável. Lá, a retenção do lucro ou sua distribuição aos acionistas sem novos investimentos comprometerão o crescimento dos lucros futuros. Como consequência, a proporção do lucro sobre o PIB tende a cair aproximando-se do índice de investimentos. E aqui, investimentos com lucros anêmicos (logo com menor geração de caixa) empurram as empresas para o financiamento dos investimentos via dívida o que apresenta um limite. Assim, caso o cenário não se altere, teremos queda dos investimentos no médio prazo com sua convergência para o nível dos lucros. O crescimento saudável das empresas americanas e brasileiras necessita de uma nova dinâmica.

Em suma, quem lucra não investe e quem não lucra investe. Definitivamente vivemos em um mundo estranho.

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