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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O que preocupa no debate econômico


Por Antonio Alves e Rogerio Studart

Preocupa o atual debate econômico no Brasil. Excessivamente acalorado e polarizado, muitas vezes carece de diagnóstico claro sobre a trajetória de desenvolvimento e de propostas adequadas para enfrentar os desafios.
Sobre o diagnóstico, prevalece a visão de que a trajetória dos últimos dez anos foi simplesmente um boom de consumo e/ou de exportações de commodities. Parece-nos uma simplificação tosca. Houve, sim, um processo de valorização do salário-mínimo real, de aumento e formalização do emprego, e uma expansão de transferências de renda. E os resultados são muito positivos, e estão por todos os lados: a queda acelerada da desigualdade social e regional, 14 milhões de novos empregos formais, desemprego abaixo de 6% e ingresso de cerca de 50 milhões de pessoas nas classes C e D. O cenário externo - com aumento da demanda por commodities e dos fluxos de capital- ajudou muito. Sem ele, a trajetória teria gerado pressões inflacionárias e/ou de balanço de pagamentos. Mas ele não foi determinante nessa trajetória de desenvolvimento, ancorada em acelerado processo de inclusão socioeconômica importante.
Este desenvolvimento inclusivo trouxe desafios enormes para um país cujas infraestrutura e estrutura produtiva foram moldadas pela desigualdade. Para resolver estes déficits, um desafio é induzir o aumento do investimento privado - apesar da extraordinária aversão ao risco do nosso empresariado e da incerteza sobre a trajetória de longo prazo. Parecem, no mínimo, pouco intuitivas as visões que circulam no debate nacional de que basta criar um melhor ambiente regulatório e promover uma expansão da poupança (por meio da redução do consumo e do gasto público) para destravar o investimento privado.
A rigidez que querem impor à administração do tripé contrasta com a flexibilidade com que o mundo trata a crise
Aprimorar o ambiente de investimento, por mais importante que seja, por si só não melhora as expectativas de longo prazo. E não parece razoável que o investimento privado possa crescer sem uma perspectiva de continuidade do crescimento dos mercados, para o qual em nada contribui a redução do consumo - especialmente sem sinais de retomada do comércio internacional no horizonte médio. Para atiçar o "animal spirit" empresarial, o governo tem três grandes tarefas que devem ser perseguidas simultaneamente: garantir a expansão não inflacionária do consumo; promover parcerias com investidores privados em grandes projetos; assegurar fontes de financiamento de longo prazo.
No que tange à administração macroeconômica, sabe-se que a tarefa não vai ser fácil - mas o debate atual exagera no diagnóstico e na avaliação sobre as possibilidades de enfrentar as dificuldades. Mesmo diante desse quadro de instabilidade internacional prolongada, o desemprego tem estado em queda e há forte criação líquida de empregos formais. O saldo comercial tornou-se deficitário nos primeiros meses de 2013, o que preocupa; mas temos mais de US$ 370 bilhões de reserva, o que é uma sólida base para controlar a desvalorização cambial e melhorar nossa competitividade. A dívida bruta elevou-se desde o início da crise, mas permanece estabilizada em torno dos 60% do PIB - um resultado fiscal extraordinário quando comparado internacionalmente.
Por fim, a inflação, medida pelo IPCA, mantém-se próxima ao teto do sistema de metas, mas está em queda (6,3% nos 12 meses terminados em julho). Não estamos a "beira de um abismo" e, mesmo mantendo o tripé econômico, há espaços e trade-offs a serem considerados, dadas as circunstâncias domésticas e externas. (Aliás, a rigidez que querem impor à administração do tripé contrasta fortemente com a flexibilidade e liberdade com que, no mundo inteiro, as equipes econômicas estão combatendo os efeitos da maior crise econômica mundial desde 1929 - mas isso é tema para outro artigo).
No que toca à segunda tarefa, novas oportunidades para o setor privado estão sendo organizadas pelo governo em torno de programas como o PAC, o pré-sal, o "Minha Casa, Minha Vida". O Programa de Infraestrutura Logística, calculado em R$ 80 bilhões para os próximos cinco anos, e mais de R$ 50 bilhões nos anos posteriores, bem como o recém-anunciado Programa Nacional de Mobilidade, estimado em R$ 50 bilhões, além de perspectivas de investimentos em portos, aeroportos e hidrovias, representarão um novo horizonte para os investimentos em infraestrutura.
Por fim, diante da alta aversão a risco por parte do setor financeiro privado, o papel dos bancos públicos continuará a ser imprescindível (este foi, aliás o principal argumento utilizado pelo Banco Mundial para mais que triplicar seus empréstimos para países em desenvolvimento nos últimos anos). Aqui a tese de alguns analistas de que os aportes do Tesouro estejam levando a um descontrole fiscal não se sustenta; também não é o momento para reeditar visões inocentes, ultrapassadas em todo o mundo, de que se pode estimular os investimentos simplesmente reduzindo o papel e a atuação de bancos públicos.
Em suma, testemunhamos um processo de inclusão socioeconômica de grande escala, que teve consequências transformadoras, e que traz grandes desafios para o governo, para o setor privado e para a cidadania como um todo. Não estamos à "beira do abismo", não se abandonou o tripé econômico, e há espaço de manobra para correções que podem ser efetuadas - mas sempre levando em consideração a trajetória que o Brasil tem vivido. Não há respostas simples nem receitas de bolo. Precisamos, sim, urgentemente, de um debate econômico com menos calor, melhores diagnósticos e propostas isentas de preconceitos e mistificações


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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

“Eu sabia que isso ia acontecer”, diz ministro sobre fracasso em obras de Manaus


Por Aiuri Rebello, do UOL, em Brasília:

Questionado por senadores durante sabatina na Subcomissão Permanente da Copa de 2014 do Senado sobre a revelação do UOL ESPORTES, de que o projeto para obras de mobilidade urbana em Manaus falhou e foi refeito a 10 meses do Mundial, o ministro do Esporte afirmou que “sabia que isso ia acontecer”. “Já achava que isso ia acontecer. Não recebi nenhum relatório oficial, mas sabia dos problemas que as obras por lá enfrentavam, principalmente por falta de recursos federais e problemas de licenciamento ambiental nos projetos”, disse Aldo Rebelo.
“Acredito que por isso foi lançado este novo plano de obras. O governo e a Prefeitura de Manaus contam com todo o nosso apoio para levar a cabo este novo plano”, afirmou Rebelo.
O ministro afirmou ainda que o cronograma de execução das obras  na Arena Amazônia e na Arena Pantanal, em Cuiabá, preocupa do governo. Apesar disso, o ministro acredita que é possível compensar os atrasos no final do projeto. “A parte elétrica pode ser feita junto com a hidráulica, por exemplo, e outros ajustes como este são possíveis”, disse Rebelo.
Manaus, uma das 12 sedes da Copa do Mundo de 2014, possuía um dos mais avançados planos de obras de mobilidade urbana entre as cidades que irão receber o mundial de futebol, aprovado em janeiro de 2010.
Até esta segunda-feira, porém, as duas principais intervenções previstas no projeto, cujo orçamento somado estava na casa dos R$ 2 bilhões, ainda não haviam saído do papel. Para resolver a questão, propõe-se, a dez meses da Copa, um plano alternativo, que custará mais R$ 1 bilhão, com dez obras, estas sim com possibilidade de estarem concluídas a tempo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

BB e Caixa reabilitam tabela Price para crédito.



Por Felipe Marques | Valor Econômico

A tabela Price está de volta ao crédito imobiliário brasileiro. O sistema de cálculo de parcelas, que garante uma prestação constante durante todo o financiamento, já foi onipresente nos empréstimos da casa própria no país, mas caiu em desuso de uma década para cá. Os problemas jurídicos e a percepção de que as carteiras de crédito originadas por esse modelo tendiam a ter mais inadimplência afastaram os bancos da Price. No lugar, entrou o sistema que prevê parcelas maiores no começo do contrato e decrescentes ao longo do tempo.
O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, porém, resgataram a tabela Price do ostracismo. Os bancos retomaram o uso da tabela, ainda de forma incipiente, no programa de financiamento habitacional do governo, o Minha Casa, Minha Vida. A vantagem de ressuscitar a tabela Price, que tem agradado às incorporadoras, é que a metodologia facilita enquadrar quem tem renda menor nas regras do programa. Também aumenta o poder de compra de quem já estava habilitado a participar e que passa, por isso, a ser capaz de financiar imóveis mais caros.
De acordo com cálculos da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc), considerando um imóvel de mesmo valor, a renda necessária do tomador para um financiamento pela tabela Price é 35% menor do que se o crédito fosse concedido seguindo o Sistema de Amortização Constante (SAC), a metodologia mais comum no crédito imobiliário hoje.
A razão é a diferença entre os valores máximos da prestação mensal em cada sistema. Como o SAC conta com uma parcela maior no começo, fica maior também a renda exigida do tomador. Ne regra do SAC, a parcela mensal vai caindo ao longo do contrato, uma vez que a fatia de amortização do principal é constante e os juros, decrescentes.
A Caixa Econômica Federal, que responde por mais de 90% das operações do Minha Casa, Minha Vida, começou a trabalhar com a tabela Price no fim de maio, afirma Teotonio Resende, diretor de habitação do banco. O executivo reforça que o SAC ainda é o sistema preferido do banco, mas que a Price tem servido para evitar que a Caixa perca negócios no âmbito do programa, ao elevar potencialmente o número de mutuários.
Em junho, 3% dos contratos fechados pela Caixa no Minha Casa usaram a Price. Em julho, o percentual subiu para 9,7%. "A Price tende a crescer em percentual de contratos. Mas é algo que vamos monitorar de perto e adotar medidas corretivas se necessário", disse o executivo.
Entre as incorporadoras, a tabela Price tem feito sucesso. No caso da MRV, uma das principais construtoras do Minha Casa, a parcela de imóveis vendidos com uso da tabela Price superou os do SAC, afirma Rodrigo Resende, diretor comercial da MRV.
Foi o Banco do Brasil que inaugurou o uso da tabela Price no programa federal de habitação. No ano passado, o BB deu início a uma estratégia mais agressiva no crédito imobiliário, determinado a ganhar mercado da Caixa no Minha Casa. A possibilidade de usar a tabela Price foi um dos diferencias que trouxe.
Procurado, o BB afirmou, por meio de nota, que oferece os dois sistemas de amortização, Price e SAC, para os clientes de crédito imobiliário. Atualmente, a maior parte dos clientes do Banco do Brasil tem optado pela amortização no SAC, informa o banco. A instituição não deu mais detalhes sobre a operação por estar em período de silêncio antes da divulgação de resultados.
O retorno da tabela Price no Brasil só foi possível após a resolução de uma antiga discussão sobre a legalidade da tabela, um dos principais fatores que levaram os bancos a abandonar o método. A questão foi solucionada em 2009, com a lei que deu início ao programa Minha Casa, Minha Vida.
Ainda assim, há reticência entre os bancos brasileiros, incluindo a própria Caixa, em adotar a Price de forma mais intensiva. A explicação é que os créditos originados com o SAC costumam ter chance menor de inadimplência que os da Price. Como a parcela inicial do SAC é mais alta, uma vez que ela é paga, é menos provável que o tomador deixe de honrar o contrato nas parcelas finais. E como as prestações finais vão ficando menores, caso um imprevisto comprometa a capacidade de pagamento do tomador, ele tem mais chance de continuar quitando o compromisso.
Tanto a Caixa como as incorporadoras, contudo, argumentam que a perspectiva de estabilidade econômica no Brasil no longo prazo, tanto em termos de inflação como de emprego, favorecem o retorno da tabela Price. Além disso, no Minha Casa, Minha Vida há uma "entrada" que chega a 25% do financiamento imobiliário, resultado da possibilidade de o tomador usar seu saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o subsídio do governo ao crédito. "É seguro fazer a tabela Price nesse ambiente", diz Rubens Menin, presidente da Abrainc.
A Caixa faz uma outra ressalva ao uso da Price. Resende relata casos em que a incorporadora trabalha com um preço de imóvel no SAC e outro, maior, na tabela Price. "É outra situação que estamos olhando com atenção."
"Há casos em que o imóvel que o cliente consegue pagar com a renda que ele tem simplesmente não existe. A Price viabiliza o fechamento desses negócios", afirma Renato Ventura, diretor da Abrainc. Essa situação, afirma, ocorre especialmente em grandes centros urbanos. Na visão dele, além da melhoria do arcabouço jurídico, a estabilidade da economia favoreceu o retorno da tabela Price.
O Minha Casa, Minha Vida é dividido em três faixas, sendo que só as faixas 2 e 3, cuja renda familiar vai até R$ 5 mil, funcionam como um empréstimo bancário de fato. São as faixas em que o mutuário opta entre o SAC e a Price e que, até junho, contavam com 1,51 milhão de imóveis desde o início da segunda fase do programa, em 2011. Na faixa 1, com renda familiar de até R$ 1,6 mil, o agente financeiro atua quase como um prestador de serviços, fazendo a administração de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e repassando os valores às construtoras.
Considerando o crédito imobiliário fora do Minha Casa, Minha Vida, o uso da tabela Price é marginal. "Hoje, 99% dos contratos com recursos da poupança são fechados usando o SAC. É um quadro que deve se manter pelo menos nos próximos cinco anos", afirma Octávio de Lazari Junior, presidente da Abecip, associação de crédito imobiliário e poupança. Com mais tempo de inflação e juros básicos estáveis em níveis baixos, o cenário para um retorno mais intenso da Price fica mais favorável, afirma.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O capitalismo e seus cartéis

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

As manchetes vibram o caso Siemens. A grande empresa alemã encontrou vantagens em denunciar a formação de cartel nas licitações promovidas para a aquisição de material ferroviário no Brasil.
Um olhar inocente e desinteressado não pode deixar de capturar nas reiteradas e tediosas choramingas dos moralistas a intenção de "olhar para o outro lado". O episódio Siemens tem a virtude de revelar que a proliferação de corruptos supõe a multiplicação dos corruptores. Não há venda sem compra.
Para não tropeçar nas hipocrisias, seria bom compreender a lógica que move a concorrência entre os grandes blocos de capital na economia contemporânea. Para ser mais preciso, desde o século XIX, com distintas morfologias, o movimento da grande empresa moderna é articulado pelas forças dos mercados financeiros e pela busca do controle dos mercados e das fontes de abastecimento.
Ontem como hoje, estes mercados promovem a circulação global do "capital livre e líquido", organizado sob a forma "coletiva" dos fundos de investimento, fundos de pensão e hedge funds.
Na economia movida pelas fusões e aquisições, quem não engole o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele
O objetivo é diversificar a riqueza de cada grupo privado, centralizar o controle nas empresas integradoras que comandam a rede de fornecedores também monopolistas e, assim, ganhar maior participação nos mercados globais. Na economia movida pelas fusões e aquisições, quem não consegue engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele. Os agentes dessas operações são os grandes bancos de negócios. Eles definem os novos proprietários, os métodos de financiamento, a participação acionária dos grupos, as estratégias de valorização das ações, antes e depois das ofertas públicas.
A transferência de ativos públicos para os grupos privados não soluciona o confronto entre tais gigantes "coletivizados" e, portanto, comandados pelo poder dos acionistas. O capitalismo da grande empresa e da alta finança torna-se ainda mais promíscuo e pegajoso em suas relações com o Estado.
Os que estudam o fenômeno da generalização das praticas ilícitas e ilegais não têm qualquer dúvida em apontar como causa mais importante a infiltração da "ética dos negócios" nos negócios da política. Enquanto alguns clamam para que o Estado abandone suas pretensões de interferir na economia, a realidade dos negócios exige que ele passe a arbitrar e articular os interesses privados. Há quem aposte em fórmulas mágicas para prevenir o dinheiro mal havido e as práticas ilícitas.
A substituição dos órgãos tradicionais de vigilância e controle do Estado por agências reguladoras não realizou, nem poderia realizar, o milagre da ressurreição da livre concorrência livre, limpa e desimpedida. No caso das telecomunicações, por exemplo, a experiência internacional mostra que depois de um período breve de "concorrência" as empresas tendem a se fundir, provocando uma enorme concentração do capital e produzindo situações de monopólio. Sem independência dos reguladores e a vigilância permanente de um Congresso acima de qualquer suspeita, os usuários-consumidores vão perder a parada da fixação de tarifas e do controle da qualidade do serviço.
Os liberais nefelibatas preferiram, no entanto, refugiar-se na retórica da transparência, da livre concorrência e da igual oportunidade garantida a todos os interessados. Cascata. "Seria melhor afirmar a verdade claramente", diria o saudoso John Kenneth Galbraith.
Não há quem possa negar que a perda da capacidade de regulação do Estado é a marca registrada da convivência entre o público e o privado no capitalismo da concorrência monopolista. Os conservadores pretendem enfrentá-la reinventando o liberalismo e renovando a fé na capacidade de auto-regulação do mercado.
Robert Skidelsky, biógrafo de Keynes, ironizou o temor de Hayek de que a saúde da democracia pudesse ser afetada pela força excessiva do Estado. Muito ao contrário, diz Skidelsky, o Estado foi muito fraco para impedir a invasão, tornando-se dependente e ficando à mercê das "forças externas" que acabam anulando ou reduzindo a capacidade de gestão econômica. "Keynes superestimou a possibilidade de uma gestão econômica racional pelos governos democráticos", concluiu.
Schumpeter deplorava que a ordem criada pelo capitalismo individualista pudesse ser devastada pela força avassaladora do progresso capitalista. "Assim", dizia ele, "a evolução capitalista arrasta para o fundo todas as instituições, especialmente a propriedade e a liberalidade de corporação, que responderiam às necessidades e às práticas de uma atividade econômica verdadeiramente privada". A grande corporação, o proprietário de ações e a importância cada vez maior dos mercados em que circulavam os direitos de propriedade - os mercados financeiros - significavam a desmaterialização da propriedade, sua despersonalização. "Um possuidor de um título abstrato perde a vontade de combater econômica, física e politicamente por sua fábrica e pelo domínio direto sobre ela, até a morte se for preciso". O capítulo XII de "Capitalismo, Socialismo y Democracia" arrisca uma previsão sobre os destinos da ordem capitalista fundada na iniciativa individual: "Não sobrará ninguém que se preocupe em defendê-la". Enganou-se: é cada vez maior a força das grandes estruturas capitalistas e de seus métodos de controle na moldagem subjetiva dos indivíduos.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

De ética, economia e política


Por Renato Janine Ribeiro | Valor Econômico

Para quem sente vergonha ou frustração diante dos rumos do Brasil, é bom lembrar: nas últimas três décadas, por três vezes a sociedade brasileira interveio decididamente na política, com boas lideranças, mudando o país para melhor. Três vezes: 1984, com o movimento das Diretas-Já, que sepultou a ditadura militar; 1994, com o Plano Real, apoiado pelo PSDB, vencendo a inflação; 2002, com a adoção da inclusão social e da luta contra a miséria como políticas de Estado. Uma mudança política, uma econômica, uma social.
Talvez esteja na hora, 11 anos depois da última data, de conseguir uma melhora decisiva na qualidade dos serviços públicos. Esta pode - e deve - ser a mudança hoje prioritária. Ela poderá marcar nossa década.
Há características comuns aos três movimentos bem sucedidos; pelo menos as duas primeiras hoje se repetem:
O Brasil recente teve três grandes conquistas éticas
1) A situação vigente (ditadura, inflação, miséria) perturbava cada escaninho da vida social e pessoal. Não ter liberdade era um suplício; a inflação corroía a confiança nos outros e a fé no futuro; a miséria fazia troça das qualidades de nossa sociedade como um todo.
2) Chegou-se ao consenso de que tal situação era intolerável. Convivemos 20 anos com a ditadura, o mesmo tempo com a inflação, cinco séculos com a miséria. Mas veio a gota d'água. Isso não podia continuar.
3) Lideranças políticas souberam, à custa de muito trabalho, oferecer saídas para o impasse.
4) Os resultados foram muito bons. O que era proposta de parte da sociedade e de alguns partidos se tornou compromisso do Brasil como um todo.
O primeiro êxito se vê no Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios. A ditadura militar nos legou 85% dos municípios brasileiros com qualidade de vida "muito baixa"; mas os anos de democracia foram tão positivos que só restou, nesse patamar, menos de 1%. O segundo êxito: a inflação, que em 1994 chegava, anualizada, aos três dígitos, hoje preocupa se passa dos 5% ao ano. O terceiro está na imagem da pirâmide social que virou losango, entre 2005 e 2010: no começo do governo Lula, metade da população brasileira vivia nas classes D e E, as mais pobres. Hoje, essa metade está na classe C, no meio da estratificação social: 50 milhões saíram da pior pobreza.
Nos três casos, a percepção de que algo era intolerável veio junto com uma causa ética. Nos últimos 30 anos, o Brasil viveu, na prática, aulas da melhor filosofia política. (Nem sempre nossos pensadores o perceberam). Primeiro, a questão da liberdade, reprimida pela ditadura. Depois, a da confiança no outro e no futuro, bases para o laço social. Mais tarde, o drama do egoísmo, da opressão social, da miséria. Agora, é a questão do Estado que assegure serviços públicos decentes: talvez, o Estado de bem-estar social que nunca tivemos.
Os sucessos anteriores somavam um diagnóstico e uma prescrição. Vejamos.
Diagnóstico em 1984: o país está travado pela ditadura, que paralisa tudo, da justiça social e da justiça até a liberdade pessoal; medicamento: democracia.
Diagnóstico em 1994: a inflação corrói tudo, economia e valores morais; medicamento: um plano transparente, que permita retomar a fé no outro e em si próprio.
Diagnóstico em 2002: a miséria estraga nossas relações sociais, expondo o caráter antiético de uma sociedade que não aboliu de fato a escravatura. Medicamento: programas de inclusão social.
Estes três grandes momentos tiveram atores em comum. A união democrática contra a ditadura foi conduzida por líderes que depois se dividiram, para dirigir os dois momentos seguintes: a luta contra a inflação, assumida pelos tucanos, e a inclusão social, a que os petistas deram prioridade e escala. Mas os dois últimos momentos, sobretudo, foram possíveis pelo encontro de um fim ético e de meios econômicos. O fim ético, em 1994, era a construção da confiança; o meio foi o quarto grande plano anti-inflacionário da democracia, o que deu certo. O fim ético, desde 2002, era o ataque à fome e à miséria; o meio passou pela economia, inclusive a Carta aos Brasileiros e a política de Palocci e Meirelles.
A grande questão é onde estaria isto hoje. Há várias agendas em cena. A empresarial se concentra em aumentar a produtividade. Mas lhe falta o gancho ético: focada demais na economia, que é apenas meio, não constrói um fim maior, com apelo social. Outra agenda, que até agora prevaleceu, é a da gestão. Dilma Rousseff se elegeu como a gestora que continuaria os projetos de Lula; José Serra concorreu como o gestor que prometia preservar e melhorar as conquistas de Lula. Nos dois casos, propôs-se o meio, faltou o fim ético, o apelo à sociedade.
O junho brasileiro indicou qual pode ser a nova meta ética - um Estado que proporcione transporte público, saúde, educação, em suma, alguns dos serviços básicos por que pagamos, mas que são ruins. Isso para não falar da segurança, que não vi aparecer como tema - talvez até porque a polícia estivesse nas ruas do lado errado, tolerando criminosos e reprimindo manifestantes. Tudo isso implica o combate à corrupção, mas este não basta: é preciso ter governos melhores. É este o fim a conquistar. Resta ver quais serão os meios a adotar para chegar aí, quais líderes saberão conduzir esta luta.
Porque precisaremos aqui de política, num sentido que vai além do cotidiano dos políticos. Falo da capacidade de traduzir uma demanda alastrada pela sociedade em meios aptos a converter a exigência em realidade. Em suma, temos um problema claro, uma agenda quase definida, mas não sabemos sequer quem serão os atores a implantá-la. Não está fácil.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Amazonas, Amazonas, Amazonas... qual seu verdadeiro legado?


Este vídeo foi produzido há 47 anos, véspera do início da Zona Franca de Manaus, mas nos mostra uma realidade muito presente em nossos dias.

O que quero chamar para reflexão, é que nosso estado sofreu sérias consequências pela má gestão e pela falta de planejamento visando o longo prazo, gerenciar as riquezas de outrora com vistas a manutenção da economia e de novas possibilidades para um futuro sustentável. Manaus no seu apogeu, metrópole encravada no meio da selva, simbolizava um novo mundo, um Amazonas esquecido, mas vivo. Região até então maldita nos interiores onde habitavam os prisioneiros do desconhecido, mas promissora em sua jovem capital. 

No entanto, o ano de 1966 em que foi gravado este curto documentário, mostra que a falta de planejamento encerrou mais um ciclo econômico, e devolveu ao Amazonas o título de região mais subdesenvolvida do país, que voltava de sua época áurea do ciclo da borracha, para subsistência da juta, madeira, guaraná e os resquícios da velha borracha. A borracha, outrora ouro da amazônia, forjava a verdadeira filosofia do "Vale quem tem" e vedava os olhos dos neófitos administradores de então, achando estes que um futuro de desafios nunca chegaria, e que além de esbanjadores, maltratavam o soldado da borracha com os míseros salários. A megalomania desenfreada foi um dos seus maiores erros. Mas, será que estes erros megalomaníacos de fato foram superados e não mais ocorrem? Penso eu que não. Enquanto temos tantas necessidades básicas neste interiorzão amazônida, e que ainda vivem uma realidade muito atrelada ao passado econômico aterrador, governante e legisladores aprovam a construção de um estádio que custará aos cofres mais de R$ 700 milhões.

A ZFM criada um ano após este vídeo está decadente e ainda é corriqueiramente atacada, pois seus frutos ainda não alimentaram o interior do estado, suas raízes ainda não se fincaram de fato, e seu legado desenvolvimentista, pasmem... ainda não convenceram nossos irmãos de estados vizinhos. Uma atitude urge!!!

E a falta dessa atitude, na verdade nos mostra que este passado ainda está muito presente...

O que fica ao assistir o documentário, é uma nostalgia penetrante quando podemos rever a Cachoeira Alta do Tarumã que já não existe e algumas ruas que os mais contemporâneos da época irão relembrar.