Por Antonio Alves e Rogerio Studart
Preocupa o atual debate econômico no Brasil. Excessivamente acalorado e polarizado, muitas vezes carece de diagnóstico claro sobre a trajetória de desenvolvimento e de propostas adequadas para enfrentar os desafios.
Sobre o diagnóstico, prevalece a visão de que a trajetória dos últimos dez anos foi simplesmente um boom de consumo e/ou de exportações de commodities. Parece-nos uma simplificação tosca. Houve, sim, um processo de valorização do salário-mínimo real, de aumento e formalização do emprego, e uma expansão de transferências de renda. E os resultados são muito positivos, e estão por todos os lados: a queda acelerada da desigualdade social e regional, 14 milhões de novos empregos formais, desemprego abaixo de 6% e ingresso de cerca de 50 milhões de pessoas nas classes C e D. O cenário externo - com aumento da demanda por commodities e dos fluxos de capital- ajudou muito. Sem ele, a trajetória teria gerado pressões inflacionárias e/ou de balanço de pagamentos. Mas ele não foi determinante nessa trajetória de desenvolvimento, ancorada em acelerado processo de inclusão socioeconômica importante.
Este desenvolvimento inclusivo trouxe desafios enormes para um país cujas infraestrutura e estrutura produtiva foram moldadas pela desigualdade. Para resolver estes déficits, um desafio é induzir o aumento do investimento privado - apesar da extraordinária aversão ao risco do nosso empresariado e da incerteza sobre a trajetória de longo prazo. Parecem, no mínimo, pouco intuitivas as visões que circulam no debate nacional de que basta criar um melhor ambiente regulatório e promover uma expansão da poupança (por meio da redução do consumo e do gasto público) para destravar o investimento privado.
A rigidez que querem impor à administração do tripé contrasta com a flexibilidade com que o mundo trata a crise
Aprimorar o ambiente de investimento, por mais importante que seja, por si só não melhora as expectativas de longo prazo. E não parece razoável que o investimento privado possa crescer sem uma perspectiva de continuidade do crescimento dos mercados, para o qual em nada contribui a redução do consumo - especialmente sem sinais de retomada do comércio internacional no horizonte médio. Para atiçar o "animal spirit" empresarial, o governo tem três grandes tarefas que devem ser perseguidas simultaneamente: garantir a expansão não inflacionária do consumo; promover parcerias com investidores privados em grandes projetos; assegurar fontes de financiamento de longo prazo.
No que tange à administração macroeconômica, sabe-se que a tarefa não vai ser fácil - mas o debate atual exagera no diagnóstico e na avaliação sobre as possibilidades de enfrentar as dificuldades. Mesmo diante desse quadro de instabilidade internacional prolongada, o desemprego tem estado em queda e há forte criação líquida de empregos formais. O saldo comercial tornou-se deficitário nos primeiros meses de 2013, o que preocupa; mas temos mais de US$ 370 bilhões de reserva, o que é uma sólida base para controlar a desvalorização cambial e melhorar nossa competitividade. A dívida bruta elevou-se desde o início da crise, mas permanece estabilizada em torno dos 60% do PIB - um resultado fiscal extraordinário quando comparado internacionalmente.
Por fim, a inflação, medida pelo IPCA, mantém-se próxima ao teto do sistema de metas, mas está em queda (6,3% nos 12 meses terminados em julho). Não estamos a "beira de um abismo" e, mesmo mantendo o tripé econômico, há espaços e trade-offs a serem considerados, dadas as circunstâncias domésticas e externas. (Aliás, a rigidez que querem impor à administração do tripé contrasta fortemente com a flexibilidade e liberdade com que, no mundo inteiro, as equipes econômicas estão combatendo os efeitos da maior crise econômica mundial desde 1929 - mas isso é tema para outro artigo).
No que toca à segunda tarefa, novas oportunidades para o setor privado estão sendo organizadas pelo governo em torno de programas como o PAC, o pré-sal, o "Minha Casa, Minha Vida". O Programa de Infraestrutura Logística, calculado em R$ 80 bilhões para os próximos cinco anos, e mais de R$ 50 bilhões nos anos posteriores, bem como o recém-anunciado Programa Nacional de Mobilidade, estimado em R$ 50 bilhões, além de perspectivas de investimentos em portos, aeroportos e hidrovias, representarão um novo horizonte para os investimentos em infraestrutura.
Por fim, diante da alta aversão a risco por parte do setor financeiro privado, o papel dos bancos públicos continuará a ser imprescindível (este foi, aliás o principal argumento utilizado pelo Banco Mundial para mais que triplicar seus empréstimos para países em desenvolvimento nos últimos anos). Aqui a tese de alguns analistas de que os aportes do Tesouro estejam levando a um descontrole fiscal não se sustenta; também não é o momento para reeditar visões inocentes, ultrapassadas em todo o mundo, de que se pode estimular os investimentos simplesmente reduzindo o papel e a atuação de bancos públicos.
Em suma, testemunhamos um processo de inclusão socioeconômica de grande escala, que teve consequências transformadoras, e que traz grandes desafios para o governo, para o setor privado e para a cidadania como um todo. Não estamos à "beira do abismo", não se abandonou o tripé econômico, e há espaço de manobra para correções que podem ser efetuadas - mas sempre levando em consideração a trajetória que o Brasil tem vivido. Não há respostas simples nem receitas de bolo. Precisamos, sim, urgentemente, de um debate econômico com menos calor, melhores diagnósticos e propostas isentas de preconceitos e mistificações
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